A azáfama das
alterações fiscais
O sistema fiscal português é tudo menos estável e, consequentemente, pouco apreensível pelos cidadãos
Assistimos
anualmente à sistemática inclusão, na proposta de lei de Orçamento do
Estado, de alterações aos códigos fiscais, as quais passam, não só pela
actualização de taxas de imposto ou de outros elementos quantificadores
do imposto a pagar - obviamente ditados pela crescente necessidade de
receita - mas também, não raras vezes, por significativas alterações das
regras essenciais dos impostos ou de outras regras em matéria fiscal,
como as relativas às garantias dos contribuintes. A este título, importa
dar o exemplo da alteração, ocorrida há alguns anos, quanto ao regime
de contagem do prazo de prescrição das dívidas fiscais, que ditou o
aumento generalizado do mesmo, matéria sobre a qual o debate público
praticamente não ocorreu, confinando-se apenas aos meios profissionais,
numa matéria obviamente relevante.
Em ocasiões menos frequentes, por ocasião das periódicas "reformas
fiscais", os diplomas que as determinam são em regra aprovados
separadamente (como sucedeu na recente reforma do código do IRC e como é
expectável quanto ao código do IRS), com a respectiva republicação na
íntegra do código em causa. E se a estas cadências de alterações
fiscais, mais ou menos regulares, juntarmos os diplomas avulsos
publicados em matéria fiscal, fácil é concluir - olhando apenas para
este aspecto - que o sistema fiscal português é tudo menos estável e,
consequentemente, pouco apreensível pelos cidadãos. A estabilidade de
que aqui falamos não se refere apenas à tipologia de impostos existentes
que, de facto, se mantém assente na tripartição
rendimento/património/consumo, mas também às dezenas de alterações a que
assistimos todos os anos e que, com maior ou menor impacto público,
alteram a situação fiscal dos contribuintes.
Sem esquecer o facto de, nos dias que correm, as matérias fiscais
serem publicamente debatidas como nunca o foram, buscando o cidadão cada
vez mais informação para compreender - e poder cumprir - o esforço
fiscal que lhe é exigido, e apesar de a sensibilidade pública para a
matéria estar no mais elevado nível de que há memória, não se pode
deixar de assinalar que, nem por esses factores, as regras fiscais
deixaram de ser complexas e de difícil interpretação, o que justifica,
aliás, o elevado e crescente número de litígios pendentes em tribunal,
em que os contribuintes pugnam por uma interpretação da lei distinta da
do fisco. E, existindo desconhecimento, vai necessariamente haver evasão
fiscal, mesmo que se continue a apostar no agravamento das coimas e
regras punitivas da infracção fiscal, como tem sido a tendência nos
últimos anos.
Aqui chegados, e por se tratar de um tema sempre secundarizado,
cremos que a questão merece uma profunda reflexão - não circunscrita a
legislaturas ou a programas de governo - sobre o que pode, e deve, o
Estado fazer para ter cidadãos verdadeiramente mais conhecedores das
regras fiscais e, consequentemente, mais cumpridores. Neste ponto,
julgamos que a via do fornecimento de informação aos cidadãos (como a do
Portal das Finanças e do recente e-balcão, apostas certamente ganhas)
não é suficiente, sendo antes necessário incluir, na agenda das matérias
em que, mais cedo ou mais tarde, terão de existir pactos de regime
entre os partidos, a necessidade de promover (e manter!) quer a
simplificação das regras, quer a estabilidade intrínseca das mesmas,
podendo assim o contribuinte deixar de estar à mercê da azáfama anual do
Orçamento do Estado ou de qualquer reforma, antes de decidir adquirir
um equipamento para a sua empresa ou de ter mais um filho...
Sócia da Área de Direito Fiscal de PLMJ - Sociedade de Advogados, RL
IN "i"
08/09/14
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