Reestruturação:
“como?” e “porquê?”
Se fosse ao banco alegar que para fazer
face às prestações da dívida têm de a renegociar - carência, prazo e
juro, e porque não perdão parcial - sob a condição de lhe emprestarem
mais dinheiro para reestruturar o seu modo de vida: gastar melhor e
crescer o rendimento, para menos perder? Inconcebível ou nem tanto?!
.
"Flexibilidade" da dívida, "mutualização" e "crescimento"
têm feito parte do léxico político como contrapartida à "austeridade",
cá dentro como lá fora. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi é
apenas o mais recente, mas não será o último, protagonista a querer mais
estímulos ao crescimento e maior maleabilidade, ou complacência, na
aplicabilidade das regras orçamentais da UE.
Os líderes europeus
até acordaram na última cimeira, nas conclusões e na "agenda
estratégica", tirar maior partido da flexibilidade no Pacto de
Estabilidade e Crescimento. Apesar da percepção que a maré poderá estar a
mudar as regras na "velha tia chata" (como Renzi apelidou a UE) não
mudaram uma vírgula que fosse.
E bem pode Renzi querer que até a
despesa em políticas de crescimento não contem para o défice orçamental
- na senda da contabilidade criativa em avaliar actividades da economia
paralela para efeitos de contagem do PIB - mas Berlim já fez saber
pelos seus acólitos, no Bundestag e BCE, no Parlamento Europeu e
Comissão Europeia, que já houve flexibilidade orçamental para com a
Espanha, França, Grécia, Itália e Portugal, e que reformas estruturais
são necessárias (com supervisão europeia, dizem).
As grandes
promessas de François Hollande de um pacto de crescimento, a
intransigência de Mariano Rajoy para uma flexibilidade orçamental e as
exigências de Mario Monti para suavizar as regras fiscais, todos já
tiveram de sentir o denominador comum: a mão de Angela Merkel.
O
resultado é meramente uma Europa em que a Alemanha perdeu o contrapeso
francês, com o presidente Hollande arredado do centro das decisões,
afogado nas sondagens com uma extrema-direita a florescer e uma economia
estagnada.
O próprio Reino Unido, liberto das peripécias da
zona euro, enreda-se no seu crescente eurocepticismo enquanto se
entretém com o referendo na Escócia, entre os resquícios da derrota na
eleição do futuro presidente da CE, e certamente grato a Merkel,
Jean-Claude Juncker. A futura comissão saberá a quem deve a honra.
E
numa altura em que a reestruturação da nossa dívida ganha apoios, já
alavancada no "Manifesto dos 74" e agora no relatório "Um programa
sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa", proposto por
Ricardo Cabral, Francisco Louçã, Eugénia Pires e Pedro Nuno Santos, tem
de ser ponderada também no actual e previsível contexto europeu.
A
resposta às duas dúvidas - "como?" e "porquê?" - a que o relatório se
propõe sobre a eventual reestruturação da dívida, para marcar doravante o
debate político, será indissociável do seu reverso, e por quem tem a
faca e o queijo na mão: a opinião pública, alemã.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
11/07/14
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