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"PÚBLICO"
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Pároco de Setúbal indignado com
cerco policial em acção de despejo
Onze anos de vida e meia hora para abandonar as casas. A maior parte das famílias portuguesas de origem cabo-verdiana que viviam na Mecânica Setubalense já foi realojada mas o último dia foi dramático
Constantino Alves, pároco da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em
Setúbal, está indignado com o que diz ser “um tratamento desumano” a
que os moradores na antiga fábrica Mecânica Setubalense foram sujeitos
na última quinta-feira, quando a PSP cercou o quarteirão, na parte
oriental da faixa ribeirinha sadina, para pôr em prática as ordens de
despejo. A PSP alega que a presença policial foi solicitada pelo
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), dona do
terreno, após decisão judicial e que “não houve ocorrências relevantes”.
“Com que imagem vão ficar as crianças nascidas e
criadas naquele bairro quando o último dia que lá vivem são acordadas
por dezenas de polícias, como se fossem criminosos”, questiona o padre,
lamentando que a mudança tenha sido feita de “forma brusca, reforçando o
estigma e o preconceito e sem acompanhamento psicológico”.
Beatriz
Imperatori, vogal do IGFSS, nega a inexistência de acompanhamento. “A
Segurança Social teve e tem as portas abertas a todos os moradores para
todo o apoio que for possível. As crianças foram tidas em linha de
conta. Escolhemos o período de férias exactamente para não afectar o
desempenho escolar e as eventuais mudanças de escola”, desdramatiza,
adiantando que a data foi marcada pelo tribunal.
A operação,
liderada por um oficial de justiça, na sequência de uma providência
cautelar pedida pelo IGFSS e a que o Tribunal de Setúbal deu provimento,
envolveu elementos da Unidade Especial de Polícia e de várias secções
da Polícia de Setúbal, bem como de técnicos da Câmara Municipal de
Setúbal e agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. De acordo com
o IGFSS, a decisão judicial foi fundamentada num relatório encomendado à
protecção civil municipal setubalense no início do ano, documento que
aponta riscos de queda de empenas e muros sobre as casas.
O
pároco, que se tem assumido como interlocutor desta comunidade, passou a
manhã de quinta-feira a ser surpreendido por chamadas telefónicas com
relatos de moradores “aflitos e tristes por não terem sido avisados de
véspera”. “A polícia tomou o bairro de assalto, deu apenas meia-hora às
pessoas para retirarem os bens essenciais, com o restante a ir parar a
armazéns, isto é uma saída inglória, sem respeito pela dignidade
humana”, defende.
Imperatori mostrou “compreensão” pelos
sentimentos dessas famílias mas garantiu que o processo implica que
ninguém possa ser avisado com antecedência de uma intervenção de
despejo. Pela mesma razão, os meios de comunicação social ficaram de
fora de qualquer aviso prévio e foram mantidos à distância, sem convite
possível para acompanhar o desenrolar do processo.
Números
provisórios da operação do IGFSS indicam que 41 dos 48 agregados
familiares identificados tem já casa atribuída, em Setúbal e noutras
cidades – a Segurança Social dispõe de um número muito reduzido de casas
e pouco dinheiro para as reabilitar. “Os restantes sete são casos
individuais de pessoas que, de livre vontade, recusaram as casas que
lhes foram atribuídas”, esclarece Beatriz Imperatori. Das pessoas a quem
foi atribuída casa, algumas aguardam ainda por pequenas obras e
arranjos nas habitações com fim previsto para Julho e Agosto.
Para
o pároco, o lado positivo é que muitos vão ter uma habitação condigna:
“As pessoas estão muito contentes com a mudança, ficaram apenas tristes
com o último dia”. Imperatori confirma o estado de espírito: “algumas
pessoas até nos ligaram a mostrar interesse em comprar as casas”.
O
processo de realojamento começou há mais de um ano e intensificou-se
nos últimos meses com o diagnóstico dos casos e das necessidade de cada
agregado. No dia 11 de Junho foi enviada uma carta aos ocupantes da
fábrica, dando um prazo de saída até 30 de Junho, data que nem todos os
moradores cumpriram.
O IGFSS ainda não fez as contas aos custos do
processo de realojamento e operações de limpeza. Algumas telhas com
amianto requerem uma autorização especial que pode atrasar a demolição.
Um grupo reduzido de efectivos policiais mantém-se no terreno para
evitar a reocupação das casas e garantir a segurança da operação.
De latoaria a bairro de lata
A
fábrica de latoaria da Mecânica Setubalense fazia parte das
subsidiárias da indústria conserveira. As placas metálicas de
“folha-de-flandres” já imprensas chegavam a estas fábricas de “vazios”
para serem cortadas e soldadas (ou cravadas), tomando a forma de latas
de conserva. As primeiras referências à sociedade comercial surgem por
volta de 1930. Em 1969 junta-se à Ormis Embalagens, consórcio que tinha
outras fábricas em Alcochete, Olhão e Matosinhos. A falência chega em
1988 e atira mais de duzentos operários para o desemprego. A falência
arrastou-se pelos tribunais durante mais de vinte anos. Há recursos da
Segurança Social, trabalhadores que morrem sem receber os salários em
atraso. Em 2007, um relatório do Tribunal de Contas chamava a atenção
para uma dívida por regularizar relativa ao processo de falência no
valor de 728 mil euros.
* Uma habitação digna deseja-se para toda a gente, infelizmente as autoridades portuguesas não deixam, dizem que não há dinheiro, embora haja sempre para os bancos por serem motores da economia e da roubalheira.
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