.
Constituição
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/06/14
.
Constituição
de aluguer?
Em Portugal,
é crime uma mulher engravidar com ajuda médica para ter um filho só
seu. Já ser "grávida substituta" - engravidar com ajuda médica para dar o
filho a outra - vai ser legal. Parece mentira? É o que PSD e PS se
preparam para fazer: legalizar a maternidade de substituição, ou seja, a
possibilidade de se efetuarem contratos em que uma mulher se compromete
a gerar no seu útero um embrião que "pertence" a um casal - mantendo no
entanto a proibição de acesso das "mulheres sós" à reprodução assistida
quando estas, em vez de "dar" a criança, a queiram manter.
A proibição, recorde-se, data de 2006. Estipulou-se então, num parlamento com maioria absoluta PS (!), que a reprodução assistida só era permitida a casais heterossexuais (casados ou em união de facto). Às mulheres "sem homem", mesmo às que padecem de um diagnóstico de infertilidade,
foi interditada, numa decisão de duvidosa constitucionalidade que à
época levou juristas a sugerir que o Presidente deveria solicitar a
fiscalização preventiva da norma (não solicitou, claro - era já Cavaco).
O diploma também ilegalizava a maternidade de substituição.
Oito
anos depois, anuncia-se uma revisão na lei para "resolver o problema"
de casais (heterossexuais, bem entendido) em que a mulher não pode
gerar, por exemplo por não ter útero. É meritório, claro, atentar ao
sofrimento de pessoas que querem
ter filhos e não podem. Mas que dizer da atenção ao sofrimento por
parte de quem estipula não servir uma mulher "só" (ou em casal
homossexual) para mãe - bela mensagem para todas as mães "solteiras", já
agora -, podendo no entanto ser incubadora para aliviar a dor de
outros? E isto com base em que princípios? Quem interdita o acesso à
reprodução assistida por mulheres "sem homem" alega que "ter um filho
não é um direito" - o direito deve ser encarado sempre "do ponto de
vista da criança". Mas que outro direito, senão o de ter filhos,
justifica a legalização da maternidade de substituição? Ainda mais
quando "ter filhos", no caso, é uma espécie de adoção com criança
encomendada.
Num país em que a adoção singular, ou seja,
por uma só pessoa, é permitida; em que a coadoção em casais do mesmo
sexo quase passou no parlamento, com os votos de esmagadora maioria da
bancada socialista; em que, por referendo, se legalizou o direito das
mulheres a decidir, e só elas, se querem ou não levar uma gravidez a
termo; e, por fim, no país onde agora se pretende permitir a maternidade
de substituição, reiterar a proibição de mulheres não tuteladas por
homens serem mães por recurso a reprodução assistida é do domínio do
inverosímil. Ou o PS, principal responsável pela iníqua lei em vigor,
aproveita a ocasião para se redimir ou permite a conclusão de que a
Constituição lhe é mera barriga de aluguer, eficaz mas descartável
geradora de armas de arremesso contra a maioria.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
27/06/14
.
Sem comentários:
Enviar um comentário