19/05/2014

MANUEL SÉRGIO

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Marco Silva: 
um grande treinador, 
com toda a certeza!

Não passo de um estudioso do “fenómeno desportivo”, mormente do futebol. Sou, há 46 anos, um aprendiz desta modalidade desportiva (tantos são os anos que levo de professor, em cursos universitários de Desporto) e com uma vantagem sobre muitíssimos adeptos do “desporto-rei”: fui discípulo, em matéria de treino desportivo, do Dr. David Monge da Silva e, no que o futebol tem de específico, de José Maria Pedroto, do Dr. José Mourinho e do Jorge Jesus.
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Com o André Villas-Boas, conversei com ele uma única vez, sobre o futebol, durante um longo jantar, num hotel do Porto. Com José Mourinho, Pedroto e Jorge Jesus beneficiei, de facto, de horas sobre horas de frutuosa aprendizagem... que prosseguem, hoje ainda, com o treinador do Benfica. Tentei (e tento), com a consciência dos meus enormes limites, criar uma ciência onde o desporto se fundamente.
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Mas, uma atividade científica, qualquer que seja o domínio considerado e para desenvolver-se, precisa de um questionamento constante da sua prática e da metodologia utilizada. Nas ciências, multiplicam-se as interrogações à medida que se encontram as respostas. Por isso, muito teria a perguntar a um treinador, como Marco Silva, que já provou, mesmo aos mais descrentes, que tem um conhecimento do futebol, que merece admiração e respeito. 
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Na revista do Expresso, de 10 de Maio de 2014, levanta-se também uma interrogação pertinente. “Onde está o segredo do êxito do Estoril Praia que há dois anos regressou à primeira Liga de futebol e conquistou logo o 5º lugar, com direito a disputar a Liga Europa e que este ano só ficará atrás dos três grandes (4º lugar), garantindo novo apuramento europeu?”.
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A jornalista Alexandra Simões de Abreu, continua o texto da reportagem, com mais interrogações: “Estará nos jogadores? No treinador Marco Silva? Na SAD liderada pelo brasileiro Tiago Ribeiro, representante da Traffic Sports, que comprou o Estoril Praia, há quatro anos? Entre os sócios, as opiniões dividem-se. Se, para uns a injeção de capital, que salvou o clube de uma morte anunciada e fez crescer a vontade de ganhar, é a razão do sucesso, outros veem no treinador o salvador que soube incutir união e espírito ganhador no balneário, pelo que a sua eventual saída é agora a maior dor de cabeça para os adeptos”.
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“A Verdade é o Todo” (Hegel) e portanto o Marco Silva é um dos elementos do Todo. E não sei até se o mais importante. Mas de importância indiscutível – não restam dúvidas! Esfuzia caloroso e vivo entusiasmo, ouve-se o estralar das palmas, soam aclamações, quando a claque estorilista escuta o nome ou divisa a figura de Marco Silva. 
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Para os adeptos do Estoril Praia, designadamente os mais jovens, ele é a “causa das causas” dos êxitos que, nas duas últimas épocas desportivas, têm distinguido, de forma sempre crescente, o seu clube do coração. Em duas épocas de atividade constante e trabalho proficiente, Marco Silva não deixou que a lógica da inércia ou, por outras palavras, o absentismo, o conformismo e o conservantismo tomassem conta do departamento de futebol que atualmente lidera. 
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Com 36 anos de idade, tudo nele é mocidade, coroada de esperança. Por isso (são palavras suas, extraídas da reportagem do Expresso) tem dois treinadores de que gosta: “Villas-Boas e José Mourinho, que são diferentes. Há algo que me fascina no Mourinho, nunca abdica da sua identidade. No Villas-Boas, gosto do estilo alegre que as suas equipas praticam”. Conheço o Mourinho, há mais de 30 anos e o que o distingue não é saber mais de futebol do que os seus colegas de profissão - é intelectualmente um superdotado, o que o torna inimitável! O Mourinho pode estudar-se, não pode imitar-se!
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Uma outra frase do Marco eu quero distinguir: “Por vezes, a melhor forma de um treinador melhorar é através da partilha do conhecimento. Temos de ter relações abertas com os jogadores, ouvi-los, mas sendo que a decisão será sempre nossa. Temos de explicar o caminho e não obrigá-los”. Em 1983, em conversa na cidade de São Paulo com o brasileiro Sócrates, extraordinário jogador de futebol (e mais tarde médico) não esqueço o que me disse: “ O treinador de futebol que não escuta os seus jogadores tem medo deles. É um inseguro, não pode ser líder”. De facto, revela flagrante imaturidade metodológica o treinador que desvaloriza as opiniões dos seus jogadores.
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Antigamente, um trabalho científico era disjuntivo, analítico, isolava cada uma das partes de uma totalidade. A dispersão era a sua marca mais evidente. Hoje, sabe-se, que o futuro do pensamento é a síntese de uma pluralidade de saberes. Este é o enunciado primeiro de uma epistemologia não-cartesiana: para um fenómeno, não há uma causa, mas muitas e em relação constante. O simples não existe, porque um fenómeno, qualquer que ele seja, é complexo. E, sobre o mais, uma complexidade em constante movimento, porque tudo, neste mundo, é tempo e interferência dos vários elementos entre si. 
Nem sempre as desorganizações são um erro, dado que podem ser a reorganização típica de um novo conhecimento. 
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A ciência, hoje, é a unidade da complexidade. 
O treinador desportivo só tem um conhecimento objetivo da modalidade que treina, quando encontra a complexidade em tudo o que faz. E por isso sente a necessidade de relacionar o desporto, com outras áreas do conhecimento! O conhecimento tradicional era mecânico, determinista, eterno, imóvel. Como o futebol dos meus tempos de rapaz. Muito antes do nascimento do Marco Silva e do grande treinador que ele é hoje...  

Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto

IN  "A BOLA"
12/05/14


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