Certezas e perguntas
E o primeiro-ministro quer-nos a agradecer à troika. Como é possível?
À medida que a História se vai fazendo, vamos tendo um quadro
mais nítido do que realmente se passou em todo o processo que conduziu à
intervenção direta de entidades externas na governação do País e sobre a
forma como estas se comportaram. E há cada vez menos dúvidas de que
quem manobrou para obrigar ao pedido de resgate tinha tudo menos belas
intenções patrióticas. Já é claro, sobretudo desde que o insuspeito Lobo
Xavier revelou, num programa da TSF, que PSD e CDS forçaram a
intervenção da troika e que nem a sra Merkel "queria uma intervenção
regulada com o memorando, este aparato formal com regras, promessas,
compromissos e tudo medido à lupa".
Então como acabou por acontecer assim? Pacheco Pereira, no mesmo
programa, pôs o dedo na ferida. "Este formato foi desejado como
instrumento de pressão externa para a política interna", ou seja, "houve
alguém que o desejou e que o utilizou de forma teórica e política". Em
nome do poder e para ganhar eleições, o PSD de Pedro e o CDS de Paulo
escancararam a porta ao resgate, à troika e, com isso, ao empobrecimento
dos portugueses, o único "modelo" económico que o atual chefe do
Governo tem para oferecer.
Parece abstruso dizer isto quando temos um Executivo em festa, um
primeiro-ministro muito cheio de si, depois da anunciada "saída limpa"
para os mercados e quando estamos à beira de ver pelas costas a troika
de má memória. É melhor assim do que sermos confrontados com outro
resgate, mas tal não invalida continuarmos atentos aos vários episódios
desta história, até termos um puzzle completo e fundamentado. E no
passado domingo, no Público, surgiu mais um importantíssimo elemento
para ajudar à clarificação: a entrevista explosiva de Philippe Legrain,
um ex-conselheiro de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia. É
um documento tão perturbador e tão dolorosamente ilustrativo da forma
como funcionam hoje as instituições e os responsáveis europeus, a sua
arrogância, a sua irresponsabilidade, a sua total indiferença às
consequências para milhões de cidadãos de decisões tomadas sem rigor e
sem critério que se fica arrepiado e incrédulo.
Em tempo de eleições europeias, devia ser obrigatório ler. As
denúncias surgem em catadupa e suscitam perguntas a que os atuais
políticos nunca vão responder. Como é possível que os resgates a
Portugal e à Grécia tenham servido para salvar os bancos franceses e
alemães? Como é possível que os governos europeus "tenham posto os
interesses dos bancos à frente dos interesses dos cidadãos"? Como é
possível a existência de "uma relação quase corrupta entre bancos e
políticos em que muitos políticos séniores ou trabalharam anteriormente
para bancos ou esperam trabalhar depois"? Como é possível que a "troika,
que desempenhou um papel quase colonial e sem qualquer controlo
democrático, não tivesse agido no interesse europeu, mas no interesse
dos credores de Portugal"?
Como é possível "as consequências para
Portugal desta profunda, longa e desnecessária recessão económica serem
trágicas e ninguém ser responsabilizado"? Como é possível "olhar para as
previsões iniciais para a dívida pública e para a situação atual" e não
se perceber que "o programa [português] não é, de modo algum, um
programa bem sucedido, que Portugal está bem pior do que antes e que a
dívida privada não caiu"? E o primeiro-ministro quer-nos a agradecer a
esta gente... Como é possível?!
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