HOJE NO
"PÚBLICO"
Silva Carvalho pôs em causa segurança nacional, considera juíza que leva a julgamento antigo espião
Tribunal de Instrução Criminal leva a julgamento cinco envolvidos no caso das secretas, incluindo dois que o Ministério Público queria ver ilibados.
O antigo director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa
(SIED) Jorge Silva Carvalho pôs em causa a segurança nacional quando
passou segredos de Estado ao grupo Ongoing, considera a juíza que
decidiu nesta sexta-feira levar a julgamento não só o antigo espião como
outros implicados no chamado caso das secretas.
O caso remonta ao Verão de 2010, altura em que Silva
Carvalho estava de saída do SIED, onde havia trabalhado perto de duas
décadas, para ingressar no grupo privado de telecomunicações, media e
tecnologia, a ganhar mais do dobro do que auferia na função pública.
Segundo
a juíza de instrução criminal, foi com o objectivo de assegurar um bom
salário no novo emprego, e também de afirmar a sua supremacia, que o
director do SIED pediu a subordinados seus para lhe arranjarem
informações sobre dois empresários russos com quem a Ongoing planeava
encetar negócios.
Quando o relatório dos serviços secretos lhe
chegou, Silva Carvalho reencaminhou-o, com a menção de “top top secret”,
para Vasco Rato. O politólogo e ex-dirigente do PSD já se tinha
tornado, nessa altura, presidente de uma das sociedades da Ongoing, além
de membro da maçonaria, tal como Silva Carvalho e outros dirigentes do
grupo privado.
Ao passar para fora dos serviços secretos
informação recolhida por estes, Silva Carvalho pôs em causa a segurança
do Estado e as relações diplomáticas entre Portugal e a Rússia, bem
como a segurança de missões e recursos humanos no estrangeiro, entendeu a
juíza, sublinhando que, como director do SIED, o agora arguido tinha
especial obrigação de proteger o segredo de Estado.
Mas nem só
para grandes negócios servia a estreita relação entre as secretas e a
Ongoing. A magistrada dá também conta de como um produtor de vinhos da
Madeira, Humberto Jardim, foi igualmente investigado pelo SIED. Motivo?
Ter sido casado com a mulher do dirigente Ongoing para os negócios em
África
O Tribunal de Instrução Criminal subscreve a tese do
Ministério Público de que a contratação de Silva Carvalho para a Ongoing
dificilmente teria acontecido se este não tivesse no currículo perto de
20 anos de secretas, com todo o poder e contactos inerentes a essa
função. Vai, no entanto, mais longe e acusou também, embora de crimes
menos graves do que o ex-espião - que irá responder por violação do
segredo de Estado, corrupção passiva e abuso de poder – duas pessoas que
a procuradora Teresa Almeida tentou fazer ilibar: um operacional do
SIED que vivia com uma empregada da Optimus e a sua companheira.
Silva
Carvalho queria à viva força descobrir quem é que passava informações
ao jornalista Nuno Simas, que então trabalhava no PÚBLICO, sobre o
descontentamento que se vivia nos serviços secretos. A tarefa coube ao
operacional Nuno Dias, que se socorreu de Gisela Teixeira, com quem
morava, para aceder à lista dos registos de chamadas do jornalista.
A
juíza não acolheu a tese da procuradora, de que nenhum dos dois tinha
noção de estar a cometer um crime, e pronunciou o espião por acesso
ilegítimo agravado e a companheira por violação do segredo profissional e
ainda acesso indevido a dados pessoais. Afinal, observou, não é suposto
os serviços secretos deitarem mão de companheiros, cônjuges ou outros
familiares para levarem a cabo missões sigilosas. Ignora-se se o
Ministério Público irá recorrer da decisão da magistrada.
No banco dos réus irá também sentar-se o presidente da Ongoing.
Nuno
Vasconcellos, suspeito de corrupção activa, e outro antigo director do
SIED, João Luís. Vasconcellos alegou perante o Tribunal de Instrução
Criminal que nem sempre lê o correio electrónico que lhe chega, algum do
qual está a ser usado para o incriminar: quando acha os e-mails muito
extensos pede aos seus subordinados para lhos lerem ou resumirem.
Nas
buscas feitas pelas autoridades à casa de Silva Carvalho, já em Outubro
de 2011, um ano depois de ter saído do SIED, foram encontradas
listagens em papel dos membros do SIED e dos telefones das suas
delegações fora do país, contrariando as normas de segurança para
informação classificada.
Foi também por esta altura, com o
aproximar das eleições legislativas, que terá movido influências junto
de dirigentes partidários para voltar às antigas lides, desta vez como
secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa – já o
escândalo relacionado com a espionagem do jornalista havia rebentado. A
proximidade que continuava a manter com os serviços secretos fazia com
que fossem permeáveis aos seus pedidos, concluiu a juíza de instrução
criminal.
Acabou por não conseguir os seus intentos, mas numa
recente decisão o Supremo Tribunal Administrativo ordenou ao
primeiro-ministro que o reintegrasse na Presidência de Conselho de
Ministros, pagando-lhe retroactivos desde Janeiro de 2012.
Levantar ou não o segredo de Estado
Quer
o advogado de Silva Carvalho quer o do operacional das secretas, João
Luís, têm insistido na necessidade de o primeiro-ministro levantar o
segredo de Estado que impende sobre vários documentos estes arguidos
querem apresentar em tribunal. Alegam que é a única forma de se poderem
defender em condições. Mas Passos Coelho não o fez e recusou-se também a
dispensá-los do sigilo profissional a que estão obrigados.
O
representante legal do operacional do SIED, Paulo Simões Caldas,
criticou ontem o facto de a lei conferir ao primeiro-ministro, e só a
ele, este "poder discricionário", quando o Ministério Público "revelou
identidades e moradas" dos espiões implicados neste processo - apesar de
competir ao Estado a protecção da sua identidade.
“O segredo de
Estado é um segredo de polichinelo que toda a gente viola sem
consequências”, observou. Os dois advogados não se mostraram
surpreendidos por os seus clientes se irem agora sentar no banco dos
réus. Lembram que os seus clientes sempre manifestaram intenção de ir a
julgamento depois de terem sido constituídos arguidos.
Já o
defensor do presidente da Ongoing, Francisco Proença de Carvalho,
mostrou-se desiludido com este desfecho: “Tínhamos a convicção de que
podíamos ganhar na instrução, pois não existe prova que sustente a
acusação. Contudo, sentimos a máxima confiança na absolvição”, disse o
advogado, criticando a “pressão que existe nos meios judiciais para
decisões condenatórias” neste tipo de processos.
* Os réus têm a nata da advocacia a defendê-los, a juíza condutora da instrução não se intimidou e leva-os a tribunal, desejamos que na barra sejam fortemente punidos.
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