30/03/2014

JOÃO MARCELINO




Compromisso não assinado

1. Nesta semana, Portugal recebeu duas boas notícias. A primeira é de ontem e diz respeito aos juros da dívida pública: pela primeira vez em quatro anos, desde janeiro de 2010, os títulos a dez anos estão abaixo dos 4% (3,9%). Também a cinco anos os juros se situaram nos 2,9%, um mínimo desde dezembro de 2009. Esta queda na dívida pública portuguesa acompanha a de Espanha e de Itália, que também têm estado a recuar.

A segunda (notícia) é de terça-feira e diz respeito à dívida de um banco. O Santander Totta colocou mil milhões de euros em obrigações hipotecárias a três anos com um spread de 88 pontos-base e uma procura 2,7 vezes superior. Pela primeira vez um banco português (estamos a falar do Totta e não do Santander global) conseguiu, desde o pedido de assistência financeira, que nos trouxe a troika, baixar a barreira dos 100 pontos.

Ou seja, tanto na dívida soberana como na dívida das empresas, a perceção de risco baixa progressivamente de forma acentuada e o financiamento da economia portuguesa começa a ser possível em parâmetros aceitáveis.

Depois do descalabro da crise do verão passado, com as demissões de Vítor Gaspar e a intenção "irrevogável" de Paulo Portas, estamos perante boas notícias, que atestam uma recuperação da confiança no Estado português e, de uma maneira mais geral, na capacidade da nossa economia. Tudo isto faz parte dos sinais macro que os portugueses tardarão em ver refletidos na sua vida mas que vale a pena assinalar. 

2. Neste capítulo convém assinalar a colaboração discreta, mas importante em termos de perceção internacional, do PS com os objetivos perseguidos pelo Governo.

Quando apareceu o "manifesto dos 70" (74), António José Seguro teve o cuidado de não colar o PS ao documento, o que daria à posição do País, neste preciso momento, fragilidades evidentes.
Assim como deve reconhecer-se a necessidade de um debate europeu em relação ao que Cavaco Silva chamava recentemente de "mecanismos de dívida comum", também se tem de entender que neste momento, a semanas do final do plano de assistência financeira (vulgo "memorando"), nem todos os atores políticos tenham a liberdade para se darem ao luxo de dizer o que gostariam. 

Outro momento importante foi quando Óscar Gaspar, conselheiro económico do PS, veio dizer aquilo que Seguro depois precisaria: "O PS não reporá os salários no primeiro dia (quando voltar a ser governo), nem num dia só (...) não há varinhas mágicas."

E isto foi dito depois de Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças, ter assinalado que "Portugal não voltará aos níveis de 2011 (...) os salários serão repostos progressivamente".
Sim, não se tratou de uma gaffe. Foi um sinal comum dado aos observadores internacionais.

3. Não há um compromisso assinado, mas a colaboração entre a maioria governamental e o PS funciona muito melhor do que é assinalado pela generalidade dos observadores ou, ainda, admitido pelos comandos dos partidos do "arco da governabilidade". Uns não veem, outros não querem que se veja...
Porquê?
Porque há eleições a disputar, consensos que não são possíveis nos cortes nem no modelo do Estado social, e uma luta política e partidária a manter e que faz parte do funcionamento do jogo democrático. 

Há de facto algo que está a funcionar bem na mensagem comum que o País está a passar aos mercados internacionais. E os juros da dívida refletem isso. Ainda bem.

Os vistos gold começam a dar problemas. Alguns dos felizes contemplados estão a ser investigados pelo crime de branqueamento de capitais. Ou seja, não terão escolhido Portugal apenas pelo bom clima e o carácter amigável das suas gentes. Era fácil desconfiar, se atendermos a que só nos trouxeram a compra de habitação ou o depósito do milhão. A opção dos dez empregos a criar ainda não trouxe ninguém.

Director

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/03/14


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