Minha culpa
Vivemos de
polémicas e gostamos de praxar o povo com insinuações. Adoramos fazer
julgamentos na praça pública e dar como culpados cidadãos que deveriam
ter o direito à presunção de inocência. Acusamos de ânimo leve e
recusamos até ao limite reconhecer os próprios erros. É da praxe não
considerar a possibilidade de chamar a tudo isto outra coisa qualquer
que não seja jornalismo. Como somos jornalistas, pensamos que tudo o que
fazemos é jornalismo.
Vivemos a fazer culpados mas para nós só
há desculpas. São as redações que hoje estão mais curtas e os
constrangimentos financeiros que nos impedem de fazer verdadeira
investigação. Vivemos igualmente com a desculpa de que somos o que
querem que os jornalistas sejam. Dizemos o que o povo quer ouvir,
produzimos os big brothers noticiosos a que o povo quer assistir,
encontramos vítimas e culpados, ditamos sentenças e passamos para a
novela seguinte.
E as desculpas não são falsas desculpas, é mesmo
verdade que há menos jornalistas nas redacções, que há fortíssimos
constrangimentos financeiros na comunicação social e que se vende melhor
o "lixo" do que a informação útil. Só precisamos de evitar as desculpas
e fazer bem, mesmo que seja pouco.
Estou firmemente convencido de
que o jornalismo tem de ser outra coisa, que deve procurar a verdade e
não construir a que vende melhor, que tem a obrigação de colocar na
agenda as questões que importam, que deve ser contrapoder e não, de
forma populista, contra o poder. O jornalismo tem de ser mais útil para
todos os cidadãos.
É preciso ter coragem de arriscar fazer
diferente, de redefinir as fontes de receita para viabilizar o negócio e
assim criar as condições para ter jornalismo verdadeiramente livre.
Livre de preconceitos justiceiros, livre de certezas inabaláveis, livre
da "boa vontade" do sector financeiro, livre das "boas graças" do poder
político, livre da falta de recursos humanos.
Hoje faço 50 anos
(26 de jornalismo). Assumo a minha parte da culpa. Fui repórter, estive
muitas vezes editor, chefe de redacção e estou director. O jornalismo é
hoje pior do que quando comecei a estagiar, porque é menos livre. E é
assim também por incompetência dos seus profissionais. Os meus pares
podem não gostar de ouvir tudo isto mas fiquem descansados, estou apenas
a falar de mim.
PS. Começou o jogo do empurra. A Europa empurra-nos a nós e nós
a eles. Ninguém quer assumir a paternidade do suicídio que pode ser uma
saída à irlandesa. Na ausência da sabedoria de Salomão, lava-se as mãos
como Pilatos. Como sempre, o que conta são as eleições que não se podem
perder.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
15/02/14
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