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Deputada do PS
IN "PÚBLICO"
16/01/14
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Co-adopção:
três razões para se
votar contra um referendo
Se a ética parlamentar prevalecer, a resolução deve ser chumbada
Esta sexta-feira, a Assembleia da República (AR) vai votar uma
resolução inédita: propõe a realização de um referendo nacional sobre a
coadoção em casais do mesmo sexo e a adoção por casais do mesmo sexo.
Se a ética parlamentar
prevalecer, esta resolução deve ser chumbada. E por três razões
facilmente apreensíveis: 1) trata-se de um expediente assente na
deslealdade parlamentar e não na convicção; 2) a resolução que propõe o
referendo é ilegal; 3) seria um precedente ético que, se acolhido pela
AR, inverteria a lógica de reconhecimento de direitos fundamentais a
minorias.
Começando pela primeira razão, não houve nenhuma falha
no único processo legislativo em curso (o da coadoção), antes pelo
contrário, que decorreu até à marcação da respetiva votação final global
sem se ouvir uma sugestão de referendo. O projeto de referendo
deu subitamente entrada no dia 22 de Outubro de 2013, cinco meses,
cinco meses (!), depois da aprovação, no dia 17 de Maio de 2013, na
generalidade, do projeto de lei sobre a coadoção.
Foi constituído um grupo de trabalho (GT) – o que não é obrigatório –, para que o processo na especialidade fosse particularmente exigente. Durante quase dois meses, os trabalhos decorreram sem se ouvir uma sugestão de referendo.
O GT cumpriu a sua função ouvindo entidades e recolhendo depoimentos
escritos de todas as áreas científicas e sociais relevantes. Todas as
audições e toda a documentação recolhida foram disponibilizadas online, para que não só os deputados, como também os cidadãos, pudessem seguir os trabalhos. Mais de um mês de audições sem se ouvir uma sugestão de referendo.
Ao longo dos meses em questão, houve amplo debate na sociedade. Hoje,
dado o material recolhido, só de má-fé pode afirmar-se que os deputados
não têm condições de tomar uma decisão informada. Iniciada a nova
sessão legislativa, foi decidido por unanimidade que a votação da
coadoção teria lugar no dia 25 de Novembro, sem se ouvir uma sugestão de referendo.
Dias
antes da votação democrática final, foi apresentado este projeto de
resolução. Os seus proponentes apareceram do nada, como se nada se
tivesse passado, afastando a democracia representativa em nome de um
referendo sobre duas matérias distintas, tão distintas que uma foi
chumbada duas vezes (adoção) e uma foi aprovada na generalidade
(coadoção), momentos em que os agora inimigos súbitos da democracia
representativa não se coibiram de participar na mesma, votando, sem uma sugestão de referendo.
Moral
da história: há quem queira um referendo consoante o ocorrido na
votação na generalidade, e não por consciência, ou teriam falado mais
cedo. Esquecem a lealdade devida ao trabalho desenvolvido na
especialidade por deputados do PSD, do PS, do CDS, do PCP e do BE;
esquecem a lealdade devida às instituições e personalidades a quem a AR
solicitou a participação nos trabalhos; esquecem, assim, a lealdade
devida à AR. Esquecem as famílias concretas a quem se criou a convicção
de que haveria uma votação final global, aprovando ou não a coadoção,
mas que haveria essa votação. Isto não é um comportamento democrático.
A
segunda razão para se votar contra esta resolução reside no facto de a
mesma ser ilegal: a falta de convicção substituída por uma lógica
antiparlamentar levou ao esquecimento da própria lei. Querem referendar
duas matérias ao mesmo tempo, que são distintas, o que não é permitido
pela lei orgânica do referendo, que restringe a sua possibilidade a uma
única matéria. Mais: dá-se a invulgar situação de se propor um referendo
sobre duas matérias quando só uma delas tem um processo legislativo em
curso, o da coadoção. Isto diz tudo acerca do súbito apego ao referendo
aliado ao desprezo pela própria lei.
Em terceiro lugar, esta
resolução deve ser chumbada por representar um precedente ético
perigosíssimo.
Esperamos que seja a última vez que se defende o
referendo de direitos fundamentais de minorias; esperamos que a AR não
se demita de decidir democraticamente questões complexas que envolvem
dificuldades práticas e emocionais na vida de cidadãs e de cidadãos;
esperamos que a AR não fique na história como tendo aderido ao argumento
que sempre tentou travar o evoluir dos direitos humanos, esse mítico consenso social, alegado para negar os direitos dos negros e das mulheres; esperemos que a AR não dê um sinal de cruzada contra
uma pretensa democracia enfraquecida de países que discutiram e votaram
direitos de minorias nas respetivas casas da democracia; esperemos que
prevaleça o respeito institucional entre todos nós, entre todos os
grupos parlamentares, entre todos os deputados, contra, a favor ou numa
posição de abstenção, mas que votaram no dia 17 de Maio e que
trabalharam muito na especialidade para que, mais uma vez, em votação
final, cada um e cada uma vote livremente.
Mas sem manchas na
consciência quanto ao processo legislativo decorrido de forma exemplar.
Deputada do PS
IN "PÚBLICO"
16/01/14
NR: A autora escreveu este artigo na quinta-feira passada e apesar de se referir a uma votação a ocorrer na AR no dia seguinte, que hoje, segunda já é do conhecimento de todos, consideramos importantes os seus argumentos que vão no sentido de se votar contra um referendo.
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