Porque não se cala?
Ninguém se
contenta com o que tem. É dos livros. Pode acontecer por ambição
legítima e salutar. Por ambição desmedida e mal calculada. Ou
simplesmente por erro de cálculo quanto aos objetivos a atingir. Passos
Coelho só encaixa nestas últimas categorias.
Senão vejamos.
O
primeiro-ministro tem muito mais agora do que a maioria do País
admitiria que ele tivesse apenas há poucos meses. Pela ilusão dada pelos
mercados, que obviamente estão muito mais interessados em vender
dinheiro a juros altíssimos a Portugal do que quase pagar para financiar
a Alemanha, é preciso lembrar. Mas também por algum mérito próprio,
admitamos. Seja do que for, a verdade é que não param de chegar sinais
positivos.
O Governo a quem se dava, quando muito, até ao verão
passou a ter quase certa a possibilidade de chegar ao fim da
legislatura. Cada vez mais se percebe que Portugal, não tendo uma saída
limpa, à irlandesa, terá um programa mínimo de apoio a um ano, negociado
nos bastidores desde há muito, que não exigirá (ainda que isso fosse
desejável) a assinatura do PS. Ao (ainda que tímido) crescimento
económico em curso e à melhoria no nível de desemprego há de juntar-se o
dinheiro de Bruxelas do QREN e a almofada do défice que se encheu à
custa do brutal aumento de impostos. Mesmo um novo chumbo constitucional
às leis orçamentais que a oposição mandou fiscalizar não provocará
nenhuma hecatombe nas contas.
Ainda que a tónica seja travar
entusiasmos, é mais do que certo que, após a saída da troika e a
aproximação da data das eleições, o Governo vai tirar partido destas
boas notícias. Uma descidinha (mesmo que ligeira) de impostos; uma
reposição (mesmo que não total) nos cortes de salários e pensões; uma
subida (mesmo que menor do que a esquerda pede) do ordenado mínimo; mais
uns pozinhos de perlimpimpim eleitoralistas, habituais seja qual for o
partido no poder (ninguém pode esquecer os aumentos da função pública
que ajudaram a reeleger Sócrates), e teremos o mercúrio do termómetro
das sondagens a fazer estragos no estado de saúde da liderança do PS.
Tudo
isto deveriam ser balões de oxigénio para Passos. Mas é aqui que entra o
querer mais. Além de que não se percebe nem o quê, muito menos o
porquê.
Se a inenarrável embrulhada do referendo à coadoção, do
qual se continua a desconhecer o progenitor mas que sabe ter sido
apadrinhada pelo líder do PSD, só serviu para dividir o partido, abrir
novas brechas com o parceiro de coligação e mostrar ao País o pior dos
seus representantes na Assembleia da República, já a polémica com a
candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa (e a terrível
correção) foi um verdadeiro tiro no pé cujas dores permanecerão por
muito tempo e que ainda pode vir a revelar-se fatal.
Passos devia
saber o que custam e no que acabam as exclusões, ele que tanto se
queixou de ser uma vítima às mãos de Manuela Ferreira Leite. E também
devia ter aprendido os riscos das candidaturas independentes, nascidas
de cortes partidários, perante os vários casos das últimas autárquicas.
Mas não.
Neste momento, tudo aconselharia que Passos fosse apenas
gerindo a atualidade, gozando os seus (pequenos) triunfos e preparando
com muita inteligência o que aí vem. Só que o primeiro-ministro soma
erros de cálculo políticos e confirma a enorme impreparação da qual foi
dando sucessivos exemplos. Se fosse só no partido, problema dele. O pior
é que tem sido também no País.
Praxes: o "serial killer" que é preciso travar
A
hipótese, ainda que ainda por agora seja apenas isso, de as seis mortes
de estudantes no Meco estarem relacionadas com praxes é aterradora. E
obriga a agir. De uma vez por todas, é preciso fazer o que já há muito
devia ser lei. A proibição total e absoluta de praxes por parte das
universidades. A consciencialização, mesmo à bruta, com expulsões das
faculdades, dos alunos que as pratiquem. A criminalização, dura, para
quem não obedeça. As praxes não têm defesa. Nenhuma. Não ajudam nenhum
aluno a integrar-se. São idiotas, humilhantes e animalescas. São crime.
Se às situações já conhecidas nos últimos anos, que fizeram duas mortes
confirmadas, um paraplégico e causaram outros danos inquantificáveis,
tivermos de juntar as seis vidas perdidas em dezembro, teremos dos
maiores serial killers conhecidos. À vista de todos. E com tão poucos a
serem responsabilizados.
Nomeações: os arranjos do costume
Já
sabemos que as promessas políticas valem o que valem. Sobretudo quando
estão envolvidas as clientelas partidárias, a quem é preciso pagar os
apoios prestados. Aqui não há partidos inocentes. E se dúvidas
existissem, acabam de chegar mais umas provas. Este Governo, armado em
arauto da transparência, anunciou que travaria uma luta aos jobs for the
boys. Conhecem-se os casos mais gritantes de nomeações diretas, nem
vale a pena ir por aí. Mas a imposição de concursos para cargos públicos
e a criação de uma comissão de controlo parecia ser um bom princípio.
Afinal, sabe-se agora, nada disso tem sido impeditivo de promover quem
se quer. Bastou criar currículos à medida. Chegando a tornar-se
exigência ter desempenhado um cargo de dependência de um membro do
Governo. Só falta pôr a altura, o nome e a residência. É lamentável.
Mas, infelizmente, não surpreende.
Bolsas: apoiar sim, mas com critério
Os
portugueses habituaram-se a ser apoiados pelo Estado. Mais do que
Estado social, tiveram um estado providência. E querem um Estado Santa
Casa. Numa hipérbole lida algures nas redes sociais, alguém resumia bem
este cenário. Uma jovem trabalhadora confrontava outra que nunca
procurara emprego e esgrimiam argumentos. A preguiçosa aludia a que não
precisava de trabalhar, porque lhe pagavam o RSI, podia beber e até
drogar-se, porque tinha tratamentos e seringas à borla, podia mesmo
arriscar na vida sexual porque tinha o aborto e a pílula do dia seguinte
sem custos, e, caso desejasse ter um filho, havia sempre o abono. É um
exagero, é certo. Mas encerra algumas verdades que agora que não há
dinheiro, não há emprego e é preciso cortar nos apoios sociais se
tornaram mais evidentes. Vem isto a propósito das reclamações dos
bolseiros. Defendo o apoio ao conhecimento, à investigação, à ciência.
Mas com critério. E isso obriga a selecionar. A não a abrir a bolsa a
qualquer um. Para isso já basta o cinema.
Directora adjunta
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
25/01/14
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