28/01/2014

FILOMENA MARTINS

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Porque não se cala?

Ninguém se contenta com o que tem. É dos livros. Pode acontecer por ambição legítima e salutar. Por ambição desmedida e mal calculada. Ou simplesmente por erro de cálculo quanto aos objetivos a atingir. Passos Coelho só encaixa nestas últimas categorias.

Senão vejamos.
O primeiro-ministro tem muito mais agora do que a maioria do País admitiria que ele tivesse apenas há poucos meses. Pela ilusão dada pelos mercados, que obviamente estão muito mais interessados em vender dinheiro a juros altíssimos a Portugal do que quase pagar para financiar a Alemanha, é preciso lembrar. Mas também por algum mérito próprio, admitamos. Seja do que for, a verdade é que não param de chegar sinais positivos.

O Governo a quem se dava, quando muito, até ao verão passou a ter quase certa a possibilidade de chegar ao fim da legislatura. Cada vez mais se percebe que Portugal, não tendo uma saída limpa, à irlandesa, terá um programa mínimo de apoio a um ano, negociado nos bastidores desde há muito, que não exigirá (ainda que isso fosse desejável) a assinatura do PS. Ao (ainda que tímido) crescimento económico em curso e à melhoria no nível de desemprego há de juntar-se o dinheiro de Bruxelas do QREN e a almofada do défice que se encheu à custa do brutal aumento de impostos. Mesmo um novo chumbo constitucional às leis orçamentais que a oposição mandou fiscalizar não provocará nenhuma hecatombe nas contas.

Ainda que a tónica seja travar entusiasmos, é mais do que certo que, após a saída da troika e a aproximação da data das eleições, o Governo vai tirar partido destas boas notícias. Uma descidinha (mesmo que ligeira) de impostos; uma reposição (mesmo que não total) nos cortes de salários e pensões; uma subida (mesmo que menor do que a esquerda pede) do ordenado mínimo; mais uns pozinhos de perlimpimpim eleitoralistas, habituais seja qual for o partido no poder (ninguém pode esquecer os aumentos da função pública que ajudaram a reeleger Sócrates), e teremos o mercúrio do termómetro das sondagens a fazer estragos no estado de saúde da liderança do PS.

Tudo isto deveriam ser balões de oxigénio para Passos. Mas é aqui que entra o querer mais. Além de que não se percebe nem o quê, muito menos o porquê.

Se a inenarrável embrulhada do referendo à coadoção, do qual se continua a desconhecer o progenitor mas que sabe ter sido apadrinhada pelo líder do PSD, só serviu para dividir o partido, abrir novas brechas com o parceiro de coligação e mostrar ao País o pior dos seus representantes na Assembleia da República, já a polémica com a candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa (e a terrível correção) foi um verdadeiro tiro no pé cujas dores permanecerão por muito tempo e que ainda pode vir a revelar-se fatal.

Passos devia saber o que custam e no que acabam as exclusões, ele que tanto se queixou de ser uma vítima às mãos de Manuela Ferreira Leite. E também devia ter aprendido os riscos das candidaturas independentes, nascidas de cortes partidários, perante os vários casos das últimas autárquicas. Mas não.
Neste momento, tudo aconselharia que Passos fosse apenas gerindo a atualidade, gozando os seus (pequenos) triunfos e preparando com muita inteligência o que aí vem. Só que o primeiro-ministro soma erros de cálculo políticos e confirma a enorme impreparação da qual foi dando sucessivos exemplos. Se fosse só no partido, problema dele. O pior é que tem sido também no País.

Praxes: o "serial killer" que é preciso travar
A hipótese, ainda que ainda por agora seja apenas isso, de as seis mortes de estudantes no Meco estarem relacionadas com praxes é aterradora. E obriga a agir. De uma vez por todas, é preciso fazer o que já há muito devia ser lei. A proibição total e absoluta de praxes por parte das universidades. A consciencialização, mesmo à bruta, com expulsões das faculdades, dos alunos que as pratiquem. A criminalização, dura, para quem não obedeça. As praxes não têm defesa. Nenhuma. Não ajudam nenhum aluno a integrar-se. São idiotas, humilhantes e animalescas. São crime. Se às situações já conhecidas nos últimos anos, que fizeram duas mortes confirmadas, um paraplégico e causaram outros danos inquantificáveis, tivermos de juntar as seis vidas perdidas em dezembro, teremos dos maiores serial killers conhecidos. À vista de todos. E com tão poucos a serem responsabilizados.

Nomeações: os arranjos do costume
Já sabemos que as promessas políticas valem o que valem. Sobretudo quando estão envolvidas as clientelas partidárias, a quem é preciso pagar os apoios prestados. Aqui não há partidos inocentes. E se dúvidas existissem, acabam de chegar mais umas provas. Este Governo, armado em arauto da transparência, anunciou que travaria uma luta aos jobs for the boys. Conhecem-se os casos mais gritantes de nomeações diretas, nem vale a pena ir por aí. Mas a imposição de concursos para cargos públicos e a criação de uma comissão de controlo parecia ser um bom princípio. Afinal, sabe-se agora, nada disso tem sido impeditivo de promover quem se quer. Bastou criar currículos à medida. Chegando a tornar-se exigência ter desempenhado um cargo de dependência de um membro do Governo. Só falta pôr a altura, o nome e a residência. É lamentável. Mas, infelizmente, não surpreende.

Bolsas: apoiar sim, mas com critério
Os portugueses habituaram-se a ser apoiados pelo Estado. Mais do que Estado social, tiveram um estado providência. E querem um Estado Santa Casa. Numa hipérbole lida algures nas redes sociais, alguém resumia bem este cenário. Uma jovem trabalhadora confrontava outra que nunca procurara emprego e esgrimiam argumentos. A preguiçosa aludia a que não precisava de trabalhar, porque lhe pagavam o RSI, podia beber e até drogar-se, porque tinha tratamentos e seringas à borla, podia mesmo arriscar na vida sexual porque tinha o aborto e a pílula do dia seguinte sem custos, e, caso desejasse ter um filho, havia sempre o abono. É um exagero, é certo. Mas encerra algumas verdades que agora que não há dinheiro, não há emprego e é preciso cortar nos apoios sociais se tornaram mais evidentes. Vem isto a propósito das reclamações dos bolseiros. Defendo o apoio ao conhecimento, à investigação, à ciência. Mas com critério. E isso obriga a selecionar. A não a abrir a bolsa a qualquer um. Para isso já basta o cinema.

Directora adjunta

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
25/01/14

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