A preocupante visão
de túnel
Olhamos através de um túnel e não conseguimos ver nada do que existe ao redor
“A maioria das pessoas está em modo de alerta automático para assuntos
que querem confirmar. Quando acontece o fenónemo é como a visão de
túnel”, dizia-me, há dias, um amigo a propósito de uma notícia da
Organização Mundial de Saúde (OMS) de que os gregos andavam a
autocontaminar-se com o virus da sida para terem acesso a um subsídio de
700 euros e internamento imediato no caso dos toxicodependentes. Horas
depois a própria OMS assumiu o erro da denúncia.
Apesar disso, as redes
sociais, através do cidadão comum, continuaram a partilhar o falso
acontecimento, como se nada tivesse acontecido e sem ligar ao
desmentido. E isto tem uma leitura. Achavam que era possível neste
quadro de desespero europeu alguém injetar-se com HIV para poder
sobreviver por mais uns tempos. O facto de se aceitar que este cenário é
realizável é, por si só, uma violência, individual e social. A visão de
túnel que não é mais do que a constrição do campo visual que resulta na
perda da visão periférica. Olhamos através de um túnel e não
conseguimos ver nada do que existe ao redor. A metáfora aplica-se,
ainda, a todos os que perante as “evidências” que apoiam as suas
conclusões, excluem quaisquer outras que contradizem as suas “certezas”.
Portugal vive nisto. Governantes com as “evidências” das suas “certezas”
(Portugal está no bom caminho da ida aos mercados) o povo com as
“certezas” das suas “evidências” (mais austeridade, mais desemprego,
mais pobreza).
O confronto existe. Daí entender o que Mário Soares, na Aula Magna, quis
dizer sobre a ameaça de violência que paira neste país, cujas reações
primárias (sobretudo a alusão à sua idade) foram caladas no dia seguinte
pelo Papa Francisco, no primeiro documento do seu pontificado onde
denuncia um sistema económico mundial injusto, um radicalismo liberal
perigoso.
O Chefe da Igreja Católica, a Igreja estabelecida por Deus para salvar
os homens, alertou que a exclusão e a desigualdade social “provocarão a
explosão” da violência. Enquanto não se eliminar a exclusão e a
desigualdade social, na sociedade e entre vários povos, será impossível
erradicar a violência. Acusamos os pobres [...] da violência, mas, sem
igualdade de oportunidades, as diferentes formas de agressão e de guerra
encontrarão terreno fértil que, tarde ou cedo, provocará a explosão”,
escreveu o Papa. No documento, Francisco critica o sistema económico
mundial, que considera não apenas “injusto na sua raiz”, mas que “mata”
porque faz predominar a lei do mais forte.
“Como o mandamento de ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o
valor da vida humana, hoje temos que dizer não a uma economia da
exclusão e da desigualdade. Essa economia mata”, disse o papa.
Até agora não li, nem ouvi, ninguém acusá-lo de incitar à violência, de estar senil ou de ser um reles esquerdista.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
30/11/13
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