HOJE NO
" PÚBLICO"
Exclusão social é um dos factores que
. explicam crimes de minorias étnicas
Tese de doutoramento tenta perceber criminalidade praticada por
portugueses de etnia cigana e estrangeiros oriundos dos países do Leste
europeu e dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Os portugueses de etnia cigana e os estrangeiros estão em número
desproporcionado nas prisões. Como justificam essas pessoas os actos que
os conduziram até ali? E que ideias sobre isso transmitem os meios de
comunicação social e profissionais dos serviços prisionais?
A tese é da investigadora Sílvia Gomes. Intrigava-a a criminalidade
associada às minorias étnicas. No doutoramento em Sociologia, que
defendeu na Universidade do Minho no mês de Julho, tentou encontrar o
sentido que lhe é atribuído. Deparou-se com as simplificações dos media
e dos profissionais dos serviços prisionais, reprodutoras de
estereótipos, e com explicações dos reclusos assentes em factores
económicos ou decorrentes das pertenças de género, etnia ou
nacionalidade.
Optou por estudar apenas os mais visíveis nas estatísticas oficiais e
nos noticiários: os portugueses de etnia cigana e os estrangeiros
oriundos dos países do Leste europeu e dos países africanos de língua
oficial portuguesa (PALOP). Os primeiros representavam 5% da população
prisional e os outros 15% em 2010.
Começou por vasculhar arquivos do PÚBLICO, do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e do Correio da Manhã. Juntou todas as peças sobre práticas criminais com referência àquelas minorias publicadas nos sites destes diários entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2009.
Analisou as 114 peças. Eram, quase sempre, notícias curtas, que se
cingiam ao acto praticado. A principal voz era policial ou judicial. As
outras vozes, quando existiam, pertenciam a testemunhas ou vítimas. O
perfil do agressor tendia a ficar apagado. Era como se não existisse
contexto.
Lendo bem, cada grupo aparecia associado a uma prática criminal: "Os
ciganos a crimes contra o património com o uso de violência, os
africanos a crimes relacionados com drogas, os europeus do Leste a
crimes contra valores e interesses da vida em sociedade." Todavia,
entrando nas seis prisões que concentram a maior parte dos condenados
daquelas minorias e analisados os seus processos, nenhuma associação
directa havia entre qualquer crime e qualquer grupo. O tráfico de drogas
era o crime mais comum nos três grupos: 319 dos 1048 crimes pelos quais
aquelas 540 pessoas estavam presas. Seguiam-se o roubo, a condução sem
habilitação legal, o furto, o porte de arma.
"O crime mais noticiado é o crime contra pessoas, quando o principal
crime nas estatísticas oficiais é contra o património", sublinha. Isso
não é alheio aos critérios de relevância usados na produção de notícias
(os jornalistas valorizam o que é novo, extraordinário), mas tem
consequências: "Forma-se uma opinião pública unânime na designação
pejorativa desses grupos."
"Os próprios funcionários do sistema prisional produzem estereótipos veiculados pelos media,
mesmo quando eles vão contra a realidade existente no estabelecimento
prisional em que trabalham", diz. Parece-lhe haver todo o processo de
contaminação, que funciona nas duas vias.
Entrevistou nove directores e 30 guardas. Registou ideias feitas,
algumas associadas a "justificações de tipo culturalista", com certo
odor a racismo. E isso levou-a a concluir que "estrangeiros e grupo
étnico cigano são percepcionados como uma grande amálgama do que é
diferente do "ser português" e como tendo, de certa forma, reificado em
si o comportamento criminal".
Os reclusos da Europa do Leste eram retratados como educados, mas
calculistas e perigosos, o que não seria alheio à ideia de que possuem
formação superior ou militar. Já os PALOP eram pobres, actores de
criminalidade não pensada, e os ciganos "interesseiros, trapaceiros,
preguiçosos".
A análise dos processos revelou um "background social
desfavorecido", como o dos portugueses não ciganos que lá estão. Eram
jovens (excepto os portugueses de etnia cigana, de idade mais diversa, e
as estrangeiras, mais envelhecidas), com habilitações literárias baixas
(tirando os do Leste europeu), percursos laborais não qualificados,
residência em bairros pobres ou acampamentos.
A professora do Instituto Superior da Maia tentou, de forma mais
aprofundada, perceber o que explica este envolvimento criminal.
Entrevistou 68 reclusos - 48 homens e 20 mulheres. "As desigualdades e
as exclusões sociais desempenham um papel muito forte - não a biologia",
enfatiza.
"Os estrangeiros que nasceram em Portugal e os imigrantes em idade
escolar mencionam a privação económica, a influência de pares, a
desestruturação familiar, as exclusões escolar e profissional e a
residência em bairros sociais", lê-se, na tese. "Em vários casos, os
percursos de exclusão escolar e profissional são apresentados como tendo
na base situações de racismo flagrante." O contexto social, avalia,
"determina e limita as "opções" de vida destes indivíduos".
Na sua opinião, "a questão geográfica é importante". Há zonas a que as
polícias prestam mais atenção. Os jovens oriundos de África, por
exemplo, sentem viver em bairros acossados. Há redes familiares e de
vizinhança que se transferem para as prisões, como já há muito desvendou
outra investigadora da Universidade do Minho, Manuela Ivone Cunha. Nos
processos de tráfico, isso parece evidente a Sílvia Gomes, mais ainda
entre ciganos, que funcionam muito dentro de uma lógica de família
alargada. Há uma rusga num acampamento e a polícia leva "20 ou 30
pessoas".
Muitos queixam-se do acesso à justiça, como tantos portugueses em
posses. "Não conseguem pagar um advogado", resume. "Acontece muitas
vezes o advogado oficioso aparecer só um dia para falar com eles ou
conhecê-los só no dia do julgamento. Não dá para preparar uma defesa
condigna."
A língua também pode ser entrave, apesar de a lei prever o recurso a
intérpretes. A investigadora conheceu quem nem soubesse o motivo da sua
reclusão. "Uma mulher estava presa por ser cúmplice num processo de
tráfico de droga. Sabia que tinha sido condenada por estar num carro no
qual havia droga, mas não sabia o que era ser cúmplice, não conhecia
essa palavra."
Houve outros aspectos que a surpreenderam: "Entre os reclusos ciganos
há a opinião generalizada de que tiveram pena superior porque o juiz
tinha tido uma experiência negativa e não gostava de ciganos." Relatavam
episódios supostamente contados pelos seus advogados, talvez para se
desculparem.
Parece haver um longo caminho a percorrer, a começar pelos media,
que muito contribuem para a construção do que Sílvia Gomes chama
"pânico moral". Na sua perspectiva, o país tem de "saber pensar o crime
nestes grupos": "Temos de arranjar forma de os conseguir estudar." A
Constituição não permite que a etnia figure na estatística oficial.
"Muitos investigadores defendem que essa variável só viria acentuar
estereótipos, mas eu acho que os estereótipos já existem e que era bom
haver dados que permitissem perceber a realidade. Só assim podemos
definir políticas eficazes."
* Com toda a respeitabilidade que a investigadora merece não é difícil perceber que a responsabilidade vai para os donos do dinheiro. São eles que manipulam e dividem a sociedade, que a constituem em grupos de hostilidade de variadas índoles, chegam-lhe a chamar competitividade ou concorrência, riqueza e pobreza, caridade ou clubismo, etc., milhões de grupelhos para nos aniquilarmos uns aos outros.
Temos de descobrir os donos do dinheiro!
.
Sem comentários:
Enviar um comentário