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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
06/10/13
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Quando o chão se abre
Tenho um pesadelo recorrente. Tive-o todas as noites
desde que aterrei em Tessalónica, segunda maior cidade da Grécia. Estou a
andar, o chão abre-se, não tenho nada a que me agarrar.
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Talvez seja culpa do Zygmunt Bauman, que ando a ler entre conversas
com jornalistas sobre diversidade nos média e conversas com requerentes
de asilo, a quem o sociólogo polaco, de modo provocatório, chama
“resíduos humanos”, designação que também aplica a desempregados,
imigrantes, párias.
Ainda há meio século, os desempregados integravam a reserva que
esperava pelo momento certo. A qualquer hora podiam ser convocados para
participar no processo produtivo. Na sociedade de consumo, aponta
Bauman, são intitulados de excedentários. O “Estado do desperdício” está
desejoso de se livrar deles.
“No decurso do progresso económico, as formas existentes de ‘ganhar a
vida’ vão-se desmantelando sucessivamente, separando as componentes
destinadas a serem montadas outra vez (‘recicladas’) das novas”,
descreve no livro “Vidas Desperdiçadas”. Nesse processo, algumas peças
ficam sem conserto. Ninguém “traçou de antemão a linha que separa os
condenados dos salvos”.
Antes, bastava satisfazer uma série de requisitos para ter lugar.
Agora, “não existem pontos de orientação inequívocos nem directrizes a
toda a prova”; vive-se sob a “constante ameaça de se ser ‘deixado para
trás’, de ‘não se estar à altura das novas exigências’ e (horror dos
horrores) ficar fora de jogo”.
O meu pesadelo não é só o meu pesadelo. Talvez o meu pesadelo seja também o seu pesadelo.
Alguns grandes pensadores servem-se de expressões como
pós-modernidade, modernidade tardia, segunda modernidade,
hipermodernidade. Bauman fala em “modernidade líquida”, pondo ênfase na
“incapacidade de reter a forma”, na propensão para mudar à mínima
pressão.
Parece-lhe que esta lógica, que é de mercado, impregna até a política
e o amor. Sobra então pouco espaço para os ideais, menos ainda para os
que exigem esforço. Para o de perfeição nem sobra espaço algum. Esse
reduz-se a “um sonho que já não se espera que se torne realidade”.
Bauman está quase com 80 anos. Não acredita em sociedades perfeitas,
mas continua a sonhar com um mundo melhor, a questionar a acção dos
governos que obedecem às forças do mercado e abdicam de promover a
justiça social. Não são as invasivas do Estado que o preocupam, mas “a
sua crescente impotência, apoiada pela crença que oficialmente adopta de
que ‘não há alternativa’”.
Estou a escrever numa Grécia em queda livre, onde já se discursa
sobre o regresso da barbárie e não posso deixar de dizer isto: não
podemos impedir um terremoto de abrir o chão, mas podemos não abdicar de
amparar as vítimas, de lhes aliviar sofrimento, de lhes restituir
dignidade.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
06/10/13
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