Dinossauros à solta
O Tribunal Constitucional decidiu, está
decidido. E, na minha modesta opinião, está bem decidido. Havendo
dúvidas quanto ao sentido da lei, e tratando-se de uma matéria relativa a
direitos fundamentais (como é o direito a candidatar-se e a ser
eleito), o Tribunal nunca poderia optar pelo sentido mais restritivo.
Acresce que a Constituição prevê "limites à renovação sucessiva de
mandatos". E dificilmente se poderá argumentar que a vitória num
concelho consiste na renovação de um mandato exercido noutro concelho.
Por fim, creio a ‘ratio' da lei é a de impedir que alguém se possa
perpetuar no poder tirando partido da vantagem de incumbente, que pode
viciar a competição eleitoral em seu benefício - o que não ocorre quando
a candidatura diz respeito a uma autarquia distinta. Isto é, o risco de
manipulação, condicionamento ou dependência entre eleito e eleitores
não se verifica quando o eleitorado é outro. E, não havendo esse risco,
deve prevalecer a liberdade de escolha democrática. Assim, se o
legislador quisesse travar candidaturas em qualquer território, teria
que o ter dito expressamente.
E não o fez. Esta é, aliás, a fonte do problema. É que a Assembleia
da República, quando aprovou o regime da limitação de mandatos, deixou
um enorme buraco interpretativo na lei. E, alertada mais tarde para esse
facto, recusou-se a tapar o buraco, permitindo que algum candidato nele
tropeçasse, ou não, à beirinha da corrida eleitoral. Pelo caminho, os
nossos órgãos de soberania lançaram-se em investigações Sherlock
Holmesianas às catacumbas do Diário da República e enredaram-se em
extravagantes discussões linguísticas em torno de um "de" ou "da", que
supostamente tudo clarificaria, quando na verdade apenas adensou a
confusão. Enfim, cenas pouco edificantes, designadamente face à
relevância do que estava em jogo. Valeu-nos o Tribunal Constitucional,
que tão vilipendiado tem sido nos últimos tempos, mas que aqui, mais uma
vez, deu provas de um grande bom senso.
O Tribunal não está imune à crítica e não acertará sempre, mas, por
mais que isso possa desagradar a alguns zelotes de serviço, tem-se
revelado um bastião de segurança e razoabilidade, em tempos de grande
convulsão política e financeira.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
09/09/13
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