HOJE
"PÚBLICO"
Há um psicólogo para 4000 alunos e muitos concorrem a mais de 80 escolas
Sindicato e Ordem acusam tutela de alargar rede de abrangência com o mesmo número de profissionais.
Sílvia Marques, de 31 anos, do Porto, é psicóloga escolar e ainda não
sabe se este ano terá trabalho. Já percorreu três direcções regionais de
educação. Esteve em Évora, em Ílhavo e, mais recentemente, em Vila Nova
de Gaia. "Estou à espera dos concursos. No fundo, estou desempregada".
No ano lectivo anterior, esteve no Agrupamento Dr. Costa Matos, em Gaia.
Entrou na escola em meados de Outubro, agora não sabe como vai ser. "É
sempre muito angustiante. Nunca sabemos se ficamos, onde ficamos. Dá
para uma pessoa nem dormir...", desabafa. É o que lhe tem acontecido
desde o início de Setembro.
Cada estabelecimento de ensino define os procedimentos e os psicólogos
têm de concorrer às ofertas de escola, o que pode significar mais de 190
concursos com critérios distintos. No ano passado, Sílvia Marques
concorreu a cerca de 80 escolas, este ano reduziu um pouco o leque.
"Estamos muito desprotegidos porque não há um padrão, uma forma de
trabalhar, procedimentos comuns", sublinha.
Frederico Guedes, de 54 anos, do Porto, também espera. "Estou em
interrupção laboral, como costumo dizer". No ano lectivo anterior, era
psicólogo no Agrupamento de Escolas de Ovar a tempo inteiro, horário de
35 horas. Concorreu a meia dúzia de escolas. "Estamos tão cansados deste
processo que estamos a restringir a nossa área de procedimento
concursal", conta. Parece optimista, mas as notícias não são animadoras.
Um psicólogo para dois mega-agrupamentos não lhe parece aconselhável,
muito menos viável. O aumento de cinco vagas, de 176 para 181, anunciado
pelo Governo, cheira-lhe a "rebuçado envenenado". "Ninguém supunha que o
desenvolvimento fosse este, ou seja, a redução de horários, a
conjugação de agrupamentos e de escolas para um psicólogo". "Não sei o
que o ministério pretende com esta nova modalidade", acrescenta.
As contas são feitas a somar e a subtrair. O Sindicato Nacional dos
Psicólogos (SNP) garante que haverá um psicólogo para 4000 alunos, que
250 técnicos que estavam a trabalhar no ano anterior estão hoje no
desemprego, que as 181 vagas não chegam para dar resposta às
necessidades - na sua opinião, seriam necessárias 750 para cumprir o
rácio recomendado de um técnico para mil alunos -, que há horários de 35
horas reduzidos para 18. Fala num "profundo desrespeito" pelo trabalho
dos profissionais e já pediu explicações que não chegaram.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) também tem contas para
apresentar: uma redução de 25% do total dos horários dos psicólogos
contratados, o que significa menos 40 psicólogos nas escolas, devido à
redução do horário para meio tempo; 80 contratações para horários de 18
horas; psicólogos com dois mega-agrupamentos e dezenas de escolas sob a
sua alçada. A OPP já pediu uma reunião com o secretário de Estado do
Ensino e Administração Escolar para apresentar as suas preocupações. O
encontro ainda não foi marcado.
Solicitações aumentam
Para este ano lectivo, o Ministério da Educação e Ciência (MEC)
anunciou um aumento de vagas de 176 para 181 psicólogos escolares e
garantiu que o ano lectivo arrancaria tranquilamente. João Freire, um
dos responsáveis da comissão de educação do SNP, não acredita que assim
será e estima que só alguns psicólogos estejam nas escolas no final
desta semana e que a maioria só depois de Outubro começará a trabalhar. E
a incerteza continua. "São necessários 198 procedimentos diferentes se
quisermos concorrer a todas as escolas, não sabemos quando os horários
saem", refere ao PÚBLICO, lembrando que desde 1997 não há um concurso
público para a colocação dos psicólogos e que em 2010 houve um corte de
50% no número de contratados, que ficaram reduzidos a cerca de 170.
"O ministério continua a insistir neste modelo, na oferta de escola, e
só permite que as vagas abram nesta altura". O SNP considera que as
razões economicistas estão a sobrepor-se à defesa da qualidade do
sistema do ensino público. "O ministério, ao invés de avaliar as
necessidades e contar o número de profissionais, alarga a rede de
abrangência de serviços com o mesmo número de psicólogos", repara João
Freire. "Existem confirmações científicas de que o nosso trabalho tem
imenso impacto no sistema educativo", acrescenta.
O SNP acusa a tutela de olhar para os psicólogos escolares como
necessidades temporárias pelo sétimo ano consecutivo e decidiu fazer
algumas perguntas à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, ao
ministro da Educação e ao secretário de Estado da Administração Escolar.
A estrutura sindical quer saber se a ideia é contratar dois psicólogos
com horários de 18 horas em vez de um para 35 horas, quando começam os
novos procedimentos relativos ao concurso, se os moldes de contratação -
leia-se recurso à plataforma de oferta de escola - se manterá, qual o
número de profissionais a contratar, e o que se passa para avançar com
tempos parciais. As questões foram feitas por escrito no final de
Agosto. "Não há consideração e a prova disso é que ainda não obtivemos
resposta", comenta o responsável, que garante que o aumento de cinco
vagas "fica muito aquém das necessidades das escolas".
A OPP está igualmente apreensiva. "Cinco vagas é uma piada e que é
completamente contrariada com horários a meio tempo", realça Vítor
Coelho, membro da direcção da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Um
psicólogo a tempo inteiro que se tenha de desdobrar por dois
mega-agrupamentos poderá ter de percorrer 15 escolas numa semana. Um
psicólogo a meio tempo, com horário de 18 horas, num agrupamento com
1500 alunos, significa um baixo nível de cobertura. Estes são os
cálculos da OPP.
"Não nos estamos a aproximar da normas europeias e americanas, pelo
contrário, estamos a andar para trás", diz, lembrando que o rácio
aconselhável seria de um psicólogo por cada mil alunos e que, no ano
lectivo anterior, no nosso país, havia um profissional para 1750
estudantes. "Há um desfasamento da realidade. As solicitações nas
escolas estão a aumentar, em grande parte pelo contexto de crise, e o
nível de cobertura continua baixíssimo". Para Vítor Coelho, os ganhos
económicos não serão visíveis porque os psicólogos escolares não têm
salários elevados. "Não há um ganho económico, estamos a rapar o fundo
do tacho", conclui.
* Uma situação que só envergonha quem tutela a pasta da educação, brinca-se com a estabilidade emocional dos técnicos. Um psicólogo para 4000 alunos é tão absurdo que até parece mentira.
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