A revolta
das maçãs
A questão assumiu, no meu agregado familiar, uma
dimensão gigantesca. Debatemo-nos há semanas com um problema de maçãs. E
não, não há aqui metáfora alguma, nem analogia com a realidade
política, como noutros tempos em que Portugal aparecia na capa de uma
revista internacional representado por um fruto proibido, perfeito por
fora e podre por dentro. Hoje não há ilusões. Seríamos uma maçã
carcomida, engelhada e arrasada pelas lagartas.
Mas voltemos ao foco. Tudo começou numa vulgar ida a uma superfície
comercial, para abastecer de frutas e legumes. E na hora de comprar
maçãs – o básico fruto que tem sempre lugar nos preferidos cá de casa –
reparamos na origem: Nova Zelândia. Começámos por ficar com uma certa
inveja do viajado fruto e passámos logo a examinar as origens das
reluzentes maçãs empilhadas ao lado, na esperança de encontrar qualquer
coisa como Alcobaça. Polónia, Colômbia, Brasil e outros tantos países
inesperados e de Portugal nada. Estranhámos e não tendo ali um Borda D'
Água (nem um Gaspar de serviço) pensámos que o melhor era ir à procura
de fruta da época. Mas os pêssegos também vinham da América do Sul. As
cerejas eram de Espanha e só escapou o melão.
Pensámos que teria sido uma infeliz coincidência, mas dessa vez não
vieram as maçãs. Trocámos de estabelecimento, fomos a uma grande
superfície. O mesmo problema e continuámos orgulhosos de costas voltadas
para a maçã estrangeira. Salvou-nos a banana da Madeira, que nem sempre
há. E apenas três semanas depois é que a maçã voltou cá a casa, depois
de ter dado uma grande golpada, a sonsa: Tinha rótulo de Moimenta da
Beira, mas vinha de Itália. Desde então encetámos uma cruzada em busca
da maçã portuguesa, sem sucesso é certo. Mas o pior é que esta coisa de
olhar para as origens está a tomar proporções inimagináveis, e já dei
por mim a declinar alho da China. E a lembrar as palavras sábias do meu
pai que me dizia que eu iria recordar-me das idas à horta para colher os
legumes frescos para fazer a sopa. Na altura achava uma maçada sujar as
mãos a tirar uma cenoura da terra. Pai, se me estás a ler, esse dia
chegou.
Não se trata de nenhum nacionalismo provinciano, juro. Mas dei por
mim a pensar nos apelos ao regresso à terra. Em palavras gastas como o
empreendedorismo, que cai quando se pensa que não há oportunidade para
estas pessoas escoarem as suas pequenas produções. Que fica mais barato
trazer maçãs da Nova Zelândia, que comprá-las ou incentivar a sua
produção aqui. E que cada vez que opto por comprar ao pequeno
agricultor na beira da estrada, estamos ambos a pisar a linha da
legalidade.
E no meio disto tudo, cá em casa, a maçã é -tal como na bíblia
-fruto proibido. Já há reclamações do mais novo e em mim cresce o medo
que esta revolta que começou com as maçãs dê origem a uma coisa maior. É
que até para o peixe já olho de lado.
Vive-se uma verdadeira Primavera
da fruta e legumes cá em casa.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
11/07/13
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