Porcaria
na ventoinha
Dava
tanto mais jeito, hoje, escrever sobre o Egito. Tanta coisa para dizer,
tanta reflexão para fazer, sobre o derrube, pelo Exército, de um
presidente que resultou das eleições democráticas pós-revolução de
fevereiro de 2011, num golpe que, incrivelmente, tem o apoio da mesma
rua moderna e laica que iniciou há dois anos e meio o movimento para
destituir o poder militar. Um derrube pelas armas de um Governo eleito
democraticamente saudado em nome da democracia? É muito paradoxo junto.
Mas é também uma coisa grandiosa, épica, para filmes de Eisenstein, com
doses prodigiosas de risco, coragem e esperança. Em contrapartida, aqui a
coisa está ao nível dos Malucos do Riso.
Uns tristes malucos do
riso, de resto, porque o que isto suscita mesmo é tristeza e desalento. A
tristeza de ver Portugal ir pelo buraco e o desalento de não saber como
o evitar nem ver quem, podendo, o faça. Um Presidente reduzido a bobo
palaciano, que dá posse ao que aparece mesmo quando toda a gente sabe
que está a acolher uma farsa, e considera que tudo é melhor que eleições
- inclusive isto. Um primeiro-ministro que no seu ricto de boca fina e
olhar esvaziado se julga um predestinado, decidido a, mesmo abandonado e
traído pelo seu sagrado piloto Gaspar, amarrar-se sozinho ao leme do
barco para o levar, pelo mapa abjurado por aquele, ao naufrágio final.
Um presidente do segundo partido da coligação que se demite com
estrondo, anunciando a irrevogabilidade da decisão e explicitando ser
incapaz de conviver mais com aquilo que descreve como total
desconsideração, sendo a seguir mandatado pelo seu partido para se
entender com quem, publicamente, lhe chamou duas vezes mentiroso (no
episódio da TSU e neste da nomeação da nova ministra das Finanças). Um
líder do principal partido da oposição percecionado como tão fraco e
incapaz que não permite a projeção de esperança que levantaria o País. E
dois outros partidos dos quais ninguém espera qualquer solução.
Sim:
somos neste momento um país acabrunhado. Um país que aprendeu à sua
custa o que dá acreditar que qualquer coisa é melhor do que o que está.
Um país que saiu duas vezes à rua para se fazer ouvir e percebeu que
lida com surdos. Um país que vê o défice com o freio nos dentes (10,6%
no primeiro trimestre), o desemprego previsto (pelo Governo) de 19% para
o fim do ano - este ano que nos garantiram ser o da retoma, depois de
ter garantido o mesmo de 2012 -, a dívida a 127,3% do PIB, os juros
quase nos 8% e a recessão estimada (por Gaspar; INE prevê pior) em 2,3% e
não pode deixar de perguntar porque é que se muito menos era em 2011
apelidado de "bancarrota" isto é, na boca de banqueiros e troika,
"sucesso" e "bom caminho", que não pode ser "deitado a perder". Um país
que tem todos os motivos para concluir, como os egípcios que anteontem
saudaram a queda de Morsi, que às vezes a democracia dá nós que ninguém
sabe como desatar.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/07/13
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