A rábula dos políticos
"comentadores"
No chamado comentário político proliferam hoje dirigentes partidários. Não pode haver uma exceção para Sócrates. O que está muito mal é o princípio
A polémica suscitada por José Sócrates passar a ser
comentador político da RTP atingiu uma intensidade e um dramatismo
injustificáveis. Que se explica, sobretudo, pelo rancor, se não "ódio",
que alguns parecem devotar-lhe, desde que era primeiro-ministro ou desde
que, tendo deixado de o ser, lhe assacam todos os males da Pátria.
Incluindo os que tentou evitar, embora para eles muito tenha
contribuído... Como a intervenção da troika, tornada inevitável com o
chumbo do PEC IV, com o fundamento de que impunha sacrifícios
inaceitáveis. Fundamento invocado pelos que, afinal, estão a impor
sacrifícios muito maiores, imputando a sua responsabilidade apenas ao
Governo anterior - o que haviam garantido nunca fazer.
Deixando isto, parece-me natural que aquele facto tenha causado perplexidade, ou mesmo espanto, a muita gente. Por óbvias e variadas razões. Como se passa de seis anos de chefia de Governo para "comentador", o que aliás é naturalmente interpretado como um regresso à política ativa? Não faz sentido. Desde que se entenda, como entendo, que o comentário político exige independência e distanciamento face aos partidos, ausência de projetos ou ambições políticas pessoais (sobre o tema a Alta Autoridade para a Comunicação Social organizou, em 1995, um interessante colóquio). No meu caso, quando teorizei e ajudei a criar, apenas por imperativo cívico, o PRD, na minha aceção um "espaço de liberdade", apesar de julgar manter a independência e aquelas condições não só saí da direção de O Jornal como deixei de ser comentador da RTP e mesmo de escrever sobre política, como sempre fizera; e assim continuei mais um ano, após abandonar o Parlamento.
Mas a realidade hoje é esta: no chamado comentário político proliferam ex ou atuais dirigentes partidários. Assim, em geral, não se trata, naquele sentido, de comentário nenhum. Às vezes nem uma "opinião" qualificada, em televisões que nestas e noutras matérias se copiam umas às outras, com programas idênticos, até no mesmo dia e à mesma hora! Por exemplo, aqueles múltiplos programas sobre futebol com um benfiquista, um portista, um sportinguista e um mais ou menos jornalista a fazer de árbitro. Só que quando se trata de comentário ou debate políticos os protagonistas, em vez de serem de clubes, são de partidos: mais os do PSD, depois os do PS, logo os do CDS, mais atrás os do BE, na cauda, distantes, os do PCP.
Ora, isto não é nada. Nem sequer "contraditório" ou autêntico
pluralismo, que não se mede pela bitola partidária, como a ERC erradamente já mediu. Constitui, sim, campo fértil para eventual manipulação por parte de quem escolhe os protagonistas. E estes, além de poderem fazer a política do partido (até, para ganharem "credibilidade", de quando em vez o criticando), podem fazer, e alguns têm feito, a sua política dentro do partido. Mais, existe ainda o perigo de um certo entorse democrático: em vez de serem os partidos a escolher quem lhes dá voz e quem querem projetar no espaço público, são os media (o que, como os partidos são o que sabemos e tudo é complexo, também pode ter vantagens democráticas...).
Enfim, só nas televisões privadas e na RTP/RDP são cinco os "comentadores" ex-líderes do PSD (ler na pág. 20), dos quais um apenas com um historial nos media e no comentário, além de capacidade, que o justifica, apesar das suas aspirações presidenciais: Marcelo Rebelo de Sousa, claro. Assim sendo, como criticar a possibilidade de José Sócrates passar a ser mais um "comentador", o primeiro ex-líder socialista a sê-lo? No seu caso, pensando em termos de audiências previsíveis, que são um critério em geral dominante nas televisões, a sua "contratação" (gratuita, parece) até se justifica muito mais do que qualquer outra. E com que direito, com que lógica, quer o CDS que os responsáveis pela RTP vão ao Parlamento dar explicações?
O que está mal, muito mal, é o princípio. Sem entrar agora no que pode ter justificado a hipotética concordância do ainda ministro Relvas com tal convite, não pode haver uma exceção para Sócrates. Para quem a participação em "comentários"/debates televisivos semanais com Santana Lopes foi decisivo para chegar à liderança do PS e depois a primeiro-ministro, que (não por acaso...) Santana Lopes também foi. E andamos nisto!
Deixando isto, parece-me natural que aquele facto tenha causado perplexidade, ou mesmo espanto, a muita gente. Por óbvias e variadas razões. Como se passa de seis anos de chefia de Governo para "comentador", o que aliás é naturalmente interpretado como um regresso à política ativa? Não faz sentido. Desde que se entenda, como entendo, que o comentário político exige independência e distanciamento face aos partidos, ausência de projetos ou ambições políticas pessoais (sobre o tema a Alta Autoridade para a Comunicação Social organizou, em 1995, um interessante colóquio). No meu caso, quando teorizei e ajudei a criar, apenas por imperativo cívico, o PRD, na minha aceção um "espaço de liberdade", apesar de julgar manter a independência e aquelas condições não só saí da direção de O Jornal como deixei de ser comentador da RTP e mesmo de escrever sobre política, como sempre fizera; e assim continuei mais um ano, após abandonar o Parlamento.
Mas a realidade hoje é esta: no chamado comentário político proliferam ex ou atuais dirigentes partidários. Assim, em geral, não se trata, naquele sentido, de comentário nenhum. Às vezes nem uma "opinião" qualificada, em televisões que nestas e noutras matérias se copiam umas às outras, com programas idênticos, até no mesmo dia e à mesma hora! Por exemplo, aqueles múltiplos programas sobre futebol com um benfiquista, um portista, um sportinguista e um mais ou menos jornalista a fazer de árbitro. Só que quando se trata de comentário ou debate políticos os protagonistas, em vez de serem de clubes, são de partidos: mais os do PSD, depois os do PS, logo os do CDS, mais atrás os do BE, na cauda, distantes, os do PCP.
Ora, isto não é nada. Nem sequer "contraditório" ou autêntico
pluralismo, que não se mede pela bitola partidária, como a ERC erradamente já mediu. Constitui, sim, campo fértil para eventual manipulação por parte de quem escolhe os protagonistas. E estes, além de poderem fazer a política do partido (até, para ganharem "credibilidade", de quando em vez o criticando), podem fazer, e alguns têm feito, a sua política dentro do partido. Mais, existe ainda o perigo de um certo entorse democrático: em vez de serem os partidos a escolher quem lhes dá voz e quem querem projetar no espaço público, são os media (o que, como os partidos são o que sabemos e tudo é complexo, também pode ter vantagens democráticas...).
Enfim, só nas televisões privadas e na RTP/RDP são cinco os "comentadores" ex-líderes do PSD (ler na pág. 20), dos quais um apenas com um historial nos media e no comentário, além de capacidade, que o justifica, apesar das suas aspirações presidenciais: Marcelo Rebelo de Sousa, claro. Assim sendo, como criticar a possibilidade de José Sócrates passar a ser mais um "comentador", o primeiro ex-líder socialista a sê-lo? No seu caso, pensando em termos de audiências previsíveis, que são um critério em geral dominante nas televisões, a sua "contratação" (gratuita, parece) até se justifica muito mais do que qualquer outra. E com que direito, com que lógica, quer o CDS que os responsáveis pela RTP vão ao Parlamento dar explicações?
O que está mal, muito mal, é o princípio. Sem entrar agora no que pode ter justificado a hipotética concordância do ainda ministro Relvas com tal convite, não pode haver uma exceção para Sócrates. Para quem a participação em "comentários"/debates televisivos semanais com Santana Lopes foi decisivo para chegar à liderança do PS e depois a primeiro-ministro, que (não por acaso...) Santana Lopes também foi. E andamos nisto!
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