Quem tem medo
do lobo mau?
Um político travestido de analista é mais insidioso
Se tudo isto fosse uma fábula setecentista,
António José Seguro, Pedro Passos Coelho e Cavaco Silva andariam por aí a
tocar flauta e a cantarolar nervosamente, como os três porquinhos:
"Quem tem medo do lobo mau?" Sim, que motivações esconde José Sócrates
para reaparecer, em horário nobre, na televisão pública? Virá para se
vingar - e vingar-se dos três? Ou apenas para limpar a imagem? Vai
contribuir para crispar ainda mais o País? Ou tornou-se uma espécie de
Sá Pinto da política e, à custa de muito autocontrolo induzido, aparece
como um patriarca calmo, contido e conciliador? E que caldeirão de água a
ferver lhe está preparado, para quando descer pela fibra ótica de
nossas casas?
A chegada, com estrondo, de José Sócrates ao "mercado do comentarismo
político", bem como o terramoto de reações em cadeia que provocou,
dizem muito sobre o subdesenvolvimento da nossa democracia. Mas também
são reveladores sobre o novo tipo de relação que se está a criar entre
agentes políticos e eleitores, mais doentia, esquizofrénica e
conflituosa. A originalidade portuguesa de colocar políticos em espaços
televisivos, como comentadores, é um sinal de pouca maturidade
democrática que afeta, por igual, os políticos e os seus "empregadores".
Mas é também um jogo perigoso, que condiciona o processo de formação de
opinião. Um político travestido de analista é mais insidioso. A
simulação do distanciamento permite-lhe ser mais eficaz, na transmissão
da mensagem. A notoriedade torna-o óbvio, no processo mental que conduz à
escolha. Tudo isto acontece de forma camuflada e não às claras. Com
dissimulação e não com transparência. Foi assim, aliás, que Pedro
Santana Lopes e José Sócrates chegaram a primeiros-ministros. Num mundo
ideal, ao menos a estação de serviço público nunca teria políticos a
ocupar espaço de comentário ou análise, sem contraditório.
Dito isto, o mundo é como é. O escarcéu formado contra o regresso
de Sócrates só pode ser explicado pelo alto grau de emotividade que a
personagem ainda provoca e pelo baixo grau de consciência democrática
que o País ainda revela. Embora crescentemente contestatários do atual
Governo, muitos portugueses ainda veem Sócrates como o "culpado". Para
estes, "se não fosse o Sócrates, não tínhamos de aturar o Passos e as
suas medidas!" É esta simples equação que o ex-primeiro-ministro devia
fazer, antes de começar a abrir a boca, na RTP... Por outro lado,
assinar petições para mandar calar alguém não é aceitável, num regime
democrático. E mesmo o argumento de que o problema reside no facto de
Sócrates ingressar no canal público, pago por todos nós, não tem
qualquer sentido, à luz das regras atuais. Primeiro, porque a RTP
anunciou que não haverá honorários. Depois, porque o canal público
continua, mal ou bem, num mercado de concorrência, em que as audiências
contam. É como no futebol: a SIC "roubou" Marques Mendes à TVI e
contratou Jorge Coelho. A TVI respondeu com a aquisição de Manuela
Ferreira Leite (há cinco ex-líderes do PSD a fazer comentário político,
um dos quais ex-primeiro-ministro, e ainda não se ouviu um protesto...).
E a RTP vai buscar uma espécie de ás de trunfo das audiências, como
veremos em breve...
No final de tudo isto, a dúvida é a de saber se o edifício do Largo
do Rato, sede do PS, onde se abriga Seguro, é capaz de resistir, ou
não, ao sopro do lobo mau...
IN "VISÃO"
28/03/13
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