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O fundo dos fundos
“Quer dizer que estamos a caminho da bancarrota?”, pergunta Ega, numa
angústia fingida, a Cohen. “Num galopezinho muito seguro e muito a
direito”, responde-lhe este, com a solenidade oca de quem respira os
mistérios da pátria. Nos tempos que correm, há algo de inquietante neste
diálogo de “Os Maias”. Talvez o galopezinho muito seguro, talvez a
certeza de que nos encaminhamos para um poço sem fundo que nos faz ter
saudades do melancólico pântano de que o Eng. Guterres quis
prudentemente fugir. Entre erros colossais e previsões catastróficas,
temos, hoje, um governo cuja política falhou estrondosamente. Do alto da
sua impotência, o primeiro-ministro ensaia uma fuga em frente, ameaça
com a sua demissão e responsabiliza politicamente o Tribunal
Constitucional pelo delírio de um Orçamento do Estado que o próprio
ministro das Finanças se encarregou de atirar para o caixote de lixo.
Na Assembleia da República, o drama ganhou proporções épicas, com uma
deputada do PSD a exigir que os juízes cumprissem o Memorando da troika e
levassem em conta as exigências dos nossos credores. Aparentemente,
para o PSD, o Tribunal Constitucional, antes de decidir seja o que for,
devia ter uma conversinha de pé de orelha com o Sr. Selassie ou, quem
sabe?, pedir (mesmo que roído de inveja) um esclarecimento ao Sr.
Schäuble sobre a melhor forma de subverter o Estado de direito, em
Portugal. E depois ainda há quem, num rasgo de patriotismo, apele a um
sublime consenso em torno de coisa nenhuma, sem perceber que não é
propriamente fácil fazer consensos com defuntos que só estão à espera
que lhes seja decretada a respectiva certidão de óbito.
No meio disto tudo, entre nomeações para o governo de jovens imberbes
na qualidade de especialistas, surgiu, qual cereja em cima do bolo, o
anúncio de que o ex-espião Silva Carvalho, acusado dos mais variados
crimes, se vai instalar, com pompa e circunstância, na Presidência do
Conselho de Ministros, ao abrigo de um diploma qualquer que ignora a sua
feérica passagem por uma empresa privada onde, segundo o Ministério
Público, se entreteve a violar segredos de Estado e a aceder
ilegitimamente a dados pessoais de jornalistas e empresários. Perante
tanta generosidade, o ex-espião diz agora que vai colaborar
estreitamente com o governo que o nomeou. E o pior é que se calhar vai. E
o país, por via de cumplicidades maçónicas e de negócios obscuros,
chega assim ao fundo dos fundos.
É precisamente nesta altura que o Eng. Sócrates decide quebrar o
silêncio de dois anos e apresentar a sua própria “narrativa” sobre a
origem da crise e as responsabilidades do seu governo por oposição à
“narrativa” da direita, que imperou, nos últimos tempos, graças ao
silêncio cúmplice do PS. Depois da entrevista à RTP, vamos ter o prazer
de assistir a duas “narrativas” à bulha, num espectáculo um pouco
bipolar tendo em conta a natureza das mesmas. Mas desenganem-se os que
acham que as palestras de Sócrates não vão ter efeitos na política
portuguesa, nomeadamente no PS e no governo. Não foi por acaso que tanta
gente o quis silenciar.
IN "i"
30/03/13
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