HOJE NO
"PÚBLICO"
Começou o primeiro ensaio clínico
de sempre de uma terapia genética
contra a insuficiência cardíaca
Cientistas britânicos vão introduzir um gene a bordo de um vírus em doentes cardíacos para ajudar o seu coração a bater com mais força.
O Imperial College de Londres (ICL) anunciou nesta terça-feira que o
primeiro de dois ensaios clínicos destinados a testar a eficácia de uma
terapia genética contra a insuficiência cardíaca já começou no Reino
Unido. Estes ensaios deverão envolver ao todo cerca de 250 doentes cujo
coração não tem a força suficiente para bombear o sangue para o resto do
corpo.
A insuficiência cardíaca é
uma doença incapacitante e potencialmente mortal, que, segundo
estimativas da Sociedade Europeia de Cardiologia, afecta cerca de 2% a
3% da população adulta, aumentando marcadamente na terceira idade. Em
Portugal, estimava-se em 2010 que afectasse mais de 250 mil pessoas.
“Quando
a insuficiência cardíaca começa, evolui para um círculo vicioso, com o
coração a enfraquecer cada vez mais, na medida em que as células
cardíacas simplesmente não conseguem responder às crescentes
necessidades”, diz Alexander Lyon, que lidera os ensaios, em comunicado
do ICL. “Embora certos medicamentos forneçam algum alívio, não existe
actualmente nenhum [tratamento] que permita restaurar a função cardíaca
dos doentes”, diz, por seu lado, Peter Weissberg, director médico da
Fundação Britânica de Cardiologia (BHF), que financiou durante cerca de
20 anos a investigação neste domínio.
O tratamento que vai agora
ser testado consiste em injectar na circulação sanguínea, a bordo de um
vírus da constipação tornado inócuo, um gene que comanda o fabrico de
uma proteína chamada SERCA2a. Sabe-se hoje que os níveis desta proteína –
que são mais baixos nos doentes cardíacos do que nas pessoas com um
coração saudável – condicionam a qualidade da contracção das células do
músculo cardíaco. A ideia é que a nova terapia, ao fazer aumentar a
quantidade de proteína SERCA2a presente naquelas células, permita
reforçar os batimentos do coração, restabelecendo a sua função normal.
Estudos
anteriores, realizados pelos cientistas britânicos em colaboração com
colegas norte-americanos, já mostraram que o tratamento é capaz de
reforçar a função cardíaca. E agora, neste primeiro ensaio clínico já em
curso, a segurança e a melhoria da qualidade de vida vão ser avaliadas
num grupo de 200 doentes do Hospital Real de Brompton, em Londres, e de
vários outros centros médicos no mundo. O ensaio será financiado pela
empresa norte-americana de biotecnologia Celladon.
O segundo
ensaio, que será co-financiado pela BHF, deverá começar a recrutar
voluntários no Verão, salienta ainda o comunicado. Destinar-se-á a
testar a terapia genética em 24 doentes britânicos que já recorrem a
bombas cardíacas mecânicas para bombear o sangue e “fornecerá
informações vitais sobre a eficácia da terapia em função da quantidade
de gene e de proteína SERCA2a introduzida no músculo cardíaco”,
acrescenta o mesmo documento.
Há umas décadas, muitas esperanças foram depositadas nas terapias genéticas. Mas, como relembra o Guardian,
o “sonho” foi abruptamente interrompido, em 2002, quando dois rapazes
tratados com uma terapia genética contra uma grave síndrome de
imunodeficiência inata – a SCID, que os condenava a viver dentro de uma
bolha de plástico, isolados do mundo – contraíram leucemia na sequência
do tratamento.
Um dos problemas com que os cientistas se têm
defrontado é o de como fazer para que o gene introduzido no organismo
afecte as células-alvo do tratamento e apenas elas. “Foram 20 anos de
árduo trabalho para encontrar o gene certo e desenvolver um tratamento
que funciona”, diz Stan Harding, também do ICL, que desenvolveu o
tratamento que vai agora ter de fazer as suas provas.
* Quando a ciência supera a ficção...
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