25/03/2013

JAIME NOGUEIRA PINTO

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A Ciência dos portugueses 

Considerando a ‘apagada e vil tristeza’ em que estamos mergulhados, nunca sei se a lembrança de tempos melhores e mais gloriosos serve de agudização de amarguras e penas, se de estímulo à esperança e à luta contra a degeneração. 

Não sei mesmo. E não sei por que um dos problemas da mentalidade portuguesa contemporânea é essa tensão, esse contraste, entre a memória da glória, grandeza e riqueza do ‘Século d’Oiro’ nacional (entre a tomada de Ceuta e a morte de Afonso de Albuquerque) e esta Terceira República em que nos transformamos em mais um ‘doente’ da Eurolândia, controlados por uma troika que nos vigia, como os prefeitos dos antigos colégios vigiavam os alunos gabirus – com alguma cumplicidade e complacência mas sempre prontos a dar um tabefe. 

Não sei, mas vou arriscar por que gostei muito da exposição 360º Ciência Descoberta, organizada na Fundação Gulbenkian sob a responsabilidade de Henrique Leitão e Teresa Nobre de Carvalho.
Esta exposição, além de mostrar toda uma parafernália de cartas, mapas, tratados de navegação e orientação, de exibir extensos catálogos das coisas exóticas – animais, plantas, frutos, sementes – que as viagens dos portugueses trouxeram para a Europa de África, das Américas, da Ásia, da Oceânia – pretende acabar com um cliché. O cliché que persistiu por muito tempo, vindo da Europa do Norte e inculcado entre nós: que os povos peninsulares ficaram à margem da revolução científica europeia, que preparou a modernidade.

A tese desta lenda negra era que os grandes inventos e progressos foram obra dos povos do Norte, protestantes e mandados por burguesias utilitárias e mercantis. Aqui os peninsulares, sujeitos ao catolicismo, à Inquisição, não passariam de uns brutos labregos de quem os jesuítas e D. Maria I fariam farinha, mantendo-os burros e longe das Luzes.

Tal conceito foi recebido pela geração de 70 e mais tarde por António Sérgio e seus seguidores. E tem hoje vários PMI (pequeno-médios intelectuais) do pronto-a-comer idiótico caseiro a divulgá-lo.
O ponto central da 360º Ciência Descoberta é que nos quase dois séculos que vão do início da aventura marítima portuguesa ao século XVII houve muita coisa: inovações instrumentais, novos conhecimentos geográficos e antropológicos, as notícias de outra fauna e flora, a produção de livros técnicos, a investigação e experiência à volta das expedições desde a construção das naus às instruções aos pilotos da carreira das Índias; e tudo isto foi registado nos livros dos portugueses e constituiu uma base essencial sobre a qual os sábios dos séculos vindouros vieram a assentar as suas descobertas e conclusões.

E, acima de tudo, houve um espírito criativo, ousado, verdadeiramente humanista e revolucionário de olhar o mundo e os ‘outros’ mundos e outras gentes com outros olhos. Olhos de pioneiros. Portugueses.

IN "SOL"
19/03/13

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