A Ciência dos portugueses
Considerando a ‘apagada e vil tristeza’ em que estamos mergulhados, nunca sei se a lembrança de tempos melhores e mais gloriosos serve de agudização de amarguras e penas, se de estímulo à esperança e à luta contra a degeneração.
Não sei mesmo. E não sei por que um dos
problemas da mentalidade portuguesa contemporânea é essa tensão, esse
contraste, entre a memória da glória, grandeza e riqueza do ‘Século
d’Oiro’ nacional (entre a tomada de Ceuta e a morte de Afonso de
Albuquerque) e esta Terceira República em que nos transformamos em mais
um ‘doente’ da Eurolândia, controlados por uma troika que nos vigia,
como os prefeitos dos antigos colégios vigiavam os alunos gabirus – com
alguma cumplicidade e complacência mas sempre prontos a dar um tabefe.
Não
sei, mas vou arriscar por que gostei muito da exposição 360º Ciência
Descoberta, organizada na Fundação Gulbenkian sob a responsabilidade de
Henrique Leitão e Teresa Nobre de Carvalho.
Esta exposição, além
de mostrar toda uma parafernália de cartas, mapas, tratados de navegação
e orientação, de exibir extensos catálogos das coisas exóticas –
animais, plantas, frutos, sementes – que as viagens dos portugueses
trouxeram para a Europa de África, das Américas, da Ásia, da Oceânia –
pretende acabar com um cliché. O cliché que persistiu por muito tempo,
vindo da Europa do Norte e inculcado entre nós: que os povos
peninsulares ficaram à margem da revolução científica europeia, que
preparou a modernidade.
A tese desta lenda negra era que os
grandes inventos e progressos foram obra dos povos do Norte,
protestantes e mandados por burguesias utilitárias e mercantis. Aqui os
peninsulares, sujeitos ao catolicismo, à Inquisição, não passariam de
uns brutos labregos de quem os jesuítas e D. Maria I fariam farinha,
mantendo-os burros e longe das Luzes.
Tal conceito foi recebido
pela geração de 70 e mais tarde por António Sérgio e seus seguidores. E
tem hoje vários PMI (pequeno-médios intelectuais) do pronto-a-comer
idiótico caseiro a divulgá-lo.
O ponto central da 360º Ciência
Descoberta é que nos quase dois séculos que vão do início da aventura
marítima portuguesa ao século XVII houve muita coisa: inovações
instrumentais, novos conhecimentos geográficos e antropológicos, as
notícias de outra fauna e flora, a produção de livros técnicos, a
investigação e experiência à volta das expedições desde a construção das
naus às instruções aos pilotos da carreira das Índias; e tudo isto foi
registado nos livros dos portugueses e constituiu uma base essencial
sobre a qual os sábios dos séculos vindouros vieram a assentar as suas
descobertas e conclusões.
E, acima de tudo, houve um espírito
criativo, ousado, verdadeiramente humanista e revolucionário de olhar o
mundo e os ‘outros’ mundos e outras gentes com outros olhos. Olhos de
pioneiros. Portugueses.
IN "SOL"
19/03/13
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