A lição cipriota
para banqueiros
e depositantes
A solução encontrada para Chipre desenterra a
possibilidade de falência dos bancos, que parecia colocada de parte
desde o colapso da Lehman Brothers. Se queremos bancos privados, a
disciplinadora ameaça de falência tem de existir. E os depositantes têm
de estar mais atentos ao sítio onde colocam as suas poupanças. Como já
aprenderam, em Portugal, os clientes do BPP e BPN.
No modelo a que se chegou na
reunião do Eurogrupo de domingo, são os bancos que estavam praticamente
falidos, o Bank of Cyprus e o Laiki, que suportam as perdas e não todos
os bancos como inicialmente se previa. São os accionistas – que perdem
tudo -, obrigacionistas – que são poucos - e parcialmente os
depositantes com aplicações superiores a cem mil euros que pagam a
factura do colapso daqueles dois bancos. No modelo anterior eram todos
os depositantes de todos os bancos.
O processo de
resgate de Chipre foi caótico, durou uns excessivos dez dias, quebrou
tabus e reacendeu a fogueira da crise europeia, que anda a arder há
quase quatro anos (os primeiros sinais de problemas na Grécia começaram
em finais de 2009, quando o euro fez dez anos). A incerteza em relação
ao futuro de Chipre na Zona Euro é ainda elevada e a crise europeia
está, ainda, longe do seu fim.
Podemos até chegar
ao fim desta história cipriota a dizer que "a terapia era óptima, mas
lamentavelmente não salvou o doente", nem Chipre nem o próprio euro. Mas
o modelo final do resgate merece ser elogiado, lamentando-se apenas
que, no combate a esta crise, economistas e líderes políticos estejam
num processo de aprendizagem pela prática.
O novo
modelo de abordagem europeia aos problemas da banca ficou muito claro
nas declarações do presidente do Eurogrupo à Reuters, esta
segunda-feira, dia 25 de Março. "Se houver risco num banco, a nossa
primeira questão deve ser: ‘Ok, o que é que vocês, no banco, estão a
fazer em relação a isso? O que podem fazer para se recapitalizarem?’ Se o
banco não o puder fazer, então vamos falar com os accionistas e os
obrigacionistas, vamos pedir-lhes para contribuírem para recapitalizar o
banco e, se necessário, aos detentores de depósitos não garantidos", ou
seja, às poupanças acima dos 100 mil euros. Assim falou o ministro das
Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem.
Claro que as
acções dos bancos caíram. A banca italiana e espanhola foram as que
registaram maiores perdas. O que significa isso? Simplesmente que quem é
dono de bancos pensa que está isento do risco de falência. Pensam hoje
os banqueiros – ou pensavam até chegar a regra cipriota – que não estão
sob a ameaça de perder tudo, como acontece com quem é dono de uma
fábrica de automóveis, de uma petrolífera ou de uma rede social. Uma
protecção do risco que ganharam com o cataclismo provocado pela Lehman
Brothers e que colocou os políticos -, ou seja, a sociedade - ainda mais
nas mãos dos banqueiros.
O presidente do Eurogrupo
merece críticas pelo momento escolhido para dizer que os bancos também
podem falir. Mas merece ser elogiado por nos revelar que quem quer
mercado deve viver segundo as leis do mercado quando há lucros e quando
há perdas. Não se pode criar um sector bancário que se apropria dos
lucros e entrega os prejuízos aos contribuintes. Nem é assim que se
protegem os banqueiros de si próprios, como houve quem o pedisse nesta
crise financeira. E, se não queremos novas e mais violentas crises
bancárias, a banca tem de ser disciplinada, tem de seguir as regras do
mercado ou terá de ser nacionalizada.
Não temos a
solução final para o poder que a banca tem, só pela natureza da sua
actividade. O que se fez com os dois bancos cipriotas não se pode fazer
com grandes bancos espanhóis, franceses, alemães ou italianos. Naqueles
que são demasiado grandes para falir temos de colocar as nossas
esperanças na eficácia dos mecanismos da supervisão europeia, que estão a
ser construídos. Para os pequenos bancos está dado o aviso. Como
avisados estão os depositantes. Todos, accionistas, obrigacionistas e
depositantes têm a obrigação de cuidar das suas poupanças. Não esperem
pela salvação dos contribuintes.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
26/03/13
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