Avançar às arrecuas?
É nestes
momentos que se vê bem como, embora parecendo por vezes avançar num ou
noutro dossiê particular, a União Europeia na verdade está bloqueada
pelos seus impasses e paralisada pelos seus problemas. Que ela, hoje, só
é capaz de uma política de remendos, sem qualquer élan ou visão de
futuro, como se avançasse às arrecuas.
A aprovação do orçamento
para o período 2014/2020, no Conselho Europeu da semana passada, veio
confirmar esta situação. Porque se trata de um orçamento insuficiente
(trata-se de 1% do PIB europeu) para enfrentar os desafios do momento,
que se vão intensificar nos próximos tempos, condenando o gigante
económico que é a Europa a continuar a fazer figura de anão político. E
porque, pela primeira vez na história, se baixa o orçamento comunitário
quando ele devia aumentar, o que aconteceria se houvesse um mínimo de
coerência entre as proclamações dos políticos e os seus atos.
Este
conselho consistiu sobretudo, como de resto quase todos os dos últimos
tempos, numa esforçada encenação comunicacional, desta vez para
convencer os cidadãos europeus de que estavam em jogo decisões vitais
para os seus países.
É de resto absolutamente extraordinário como
os media ajudam a construir esta realidade, formatando a mensagem para
cada país em termos afuniladamente paroquiais, dando assim forma nestas
ocasiões a um nacionalismo jornalístico que menospreza - quando não o
ignora completamente - o interesse comum europeu. Como se o que conta
fosse apenas saber o que cada um ganhou, esquecendo tudo aquilo que
todos perdem, como foi o caso.
E foi o caso porque, num contexto
que no conjunto da União Europeia é de crescimento anémico ou mesmo de
recessão, em que a crise do euro está mais suspensa das "artes
draghianas" do que verdadeiramente resolvida, e em que as questões
decisivas são sistematicamente adiadas, este orçamento é a prova cabal
de que os líderes europeus não estão à altura dos problemas que
enfrentam.
O orçamento ficou em 960 mil milhões. Mas ele é para
sete anos, pelo que não chega aos 140 mil milhões por ano, a dividir
pelos 27 (melhor, 28, a Croácia entra no clube no dia próximo dia 1 de
julho) países da UE. E ele mantém o essencial das suas "perversões"
históricas, que todos criticam mas ninguém consegue alterar.
É o
caso da agricultura, que fica com cerca de 40% do orçamento comunitário
apesar de representar apenas cerca de 2% do PIB europeu, e que vai
fundamentalmente para a França. E é por isso, por estar refém desta
cota, que o Presidente francês lá teve de esquecer mais uma vez a
batalha do crescimento, de que de resto - o que verdadeiramente
extraordinário! - ninguém falou neste debate. É também o caso da
estrutura administrativa da União Europeia, que continua a custar
demasiado, sendo de notar, a propósito, que apesar da crise, os
funcionários da Comissão recusaram o simples congelamento dos seus
generosos salários!
É do que resta que sai tudo o mais, fundos
estruturais, fundos de coesão, etc. É de lamentar que, ao contrário do
que várias vezes tinha sido vigorosamente defendido por Durão Barroso,
tenham sido diminuídos os meios para o investimento em infraestruturas,
no conhecimento, nas energias alternativas... em suma, em tudo o que é
futuro futuro!
Por aqui se vê que se continua a pensar a Europa
numa lógica de mera distribuição de benefícios, sem se querer perceber
que essa lógica, que presidiu a toda a década passada, se esgotou. E que
a fase que agora se impõe aponta sobretudo para a mutualização dos
riscos e para a convergência de objetivos.
O Governo português
também ficou contente. Receberá, entre 2014 e 2020, cerca de 27 800
milhões de euros, menos do que lhe foi atribuído no período anterior (31
500 milhões), mas para atenuar esta diminuição recebeu - todos
receberam, de uma ou de outra forma! - uns "bónus" avulsos, que
totalizam cerca de dois mil milhões.
Destes fundos se dirá
certamente, como já se disse dos anteriores, que são uma "última
oportunidade" para o País resolver os seus problemas. É por isso pena
que o Governo não tenha explicado aos portugueses, de um modo claro e
detalhado, quais são os objetivos que quer atingir com todos estes
milhares de milhões. Impõe-se fazê-lo com brevidade.
E sobre isto
vale a pena ter em atenção dois alertas. O primeiro veio do Tribunal de
Contas, que em novembro último nos informou de que, em relação a toda a
década passada, não lhe era possível avaliar os efeitos da aplicação dos
fundos comunitários por falta de meios suficientes: as "medidas estão
apresentadas com pouco detalhe quanto às metas, ao calendário e à
execução, aos impactes esperados, aos riscos de execução, aos custos
orçamentais e às fontes de financiamento", pelo que " não é possível
saber exatamente quais as metas fixadas, se foram alcançadas, quais os
resultados e quanto custou".
O segundo alerta foi do prof. Paulo
Soares Pinho, da Universidade Nova de Lisboa, e foi feito em entrevista
concedida há dias ao jornal Público, em que chamava a atenção para o
insólito facto de, entre nós, o capital de risco praticamente não ter
histórias de sucesso para mostrar em vinte anos, durante os quais apenas
perdeu dinheiro. Na sua opinião, "Portugal teria melhores
empreendedores se tivéssemos a possibilidade de ter um sistema de
capital de risco mais exigente, sem fundos comunitários a distribuir
dinheiro às migalhas por toda e qualquer start-up que lhe bata à porta".
É tempo de acabar com a visão adolescente dos fundos europeus, como se
eles fossem uma espécie de mesada a que temos direito!...
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
14/02/13
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