15/02/2013

MANUEL MARIA CARRILHO

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Avançar às arrecuas?

É nestes momentos que se vê bem como, embora parecendo por vezes avançar num ou noutro dossiê particular, a União Europeia na verdade está bloqueada pelos seus impasses e paralisada pelos seus problemas. Que ela, hoje, só é capaz de uma política de remendos, sem qualquer élan ou visão de futuro, como se avançasse às arrecuas.
A aprovação do orçamento para o período 2014/2020, no Conselho Europeu da semana passada, veio confirmar esta situação. Porque se trata de um orçamento insuficiente (trata-se de 1% do PIB europeu) para enfrentar os desafios do momento, que se vão intensificar nos próximos tempos, condenando o gigante económico que é a Europa a continuar a fazer figura de anão político. E porque, pela primeira vez na história, se baixa o orçamento comunitário quando ele devia aumentar, o que aconteceria se houvesse um mínimo de coerência entre as proclamações dos políticos e os seus atos.
Este conselho consistiu sobretudo, como de resto quase todos os dos últimos tempos, numa esforçada encenação comunicacional, desta vez para convencer os cidadãos europeus de que estavam em jogo decisões vitais para os seus países.
É de resto absolutamente extraordinário como os media ajudam a construir esta realidade, formatando a mensagem para cada país em termos afuniladamente paroquiais, dando assim forma nestas ocasiões a um nacionalismo jornalístico que menospreza - quando não o ignora completamente - o interesse comum europeu. Como se o que conta fosse apenas saber o que cada um ganhou, esquecendo tudo aquilo que todos perdem, como foi o caso.
E foi o caso porque, num contexto que no conjunto da União Europeia é de crescimento anémico ou mesmo de recessão, em que a crise do euro está mais suspensa das "artes draghianas" do que verdadeiramente resolvida, e em que as questões decisivas são sistematicamente adiadas, este orçamento é a prova cabal de que os líderes europeus não estão à altura dos problemas que enfrentam.
O orçamento ficou em 960 mil milhões. Mas ele é para sete anos, pelo que não chega aos 140 mil milhões por ano, a dividir pelos 27 (melhor, 28, a Croácia entra no clube no dia próximo dia 1 de julho) países da UE. E ele mantém o essencial das suas "perversões" históricas, que todos criticam mas ninguém consegue alterar.
É o caso da agricultura, que fica com cerca de 40% do orçamento comunitário apesar de representar apenas cerca de 2% do PIB europeu, e que vai fundamentalmente para a França. E é por isso, por estar refém desta cota, que o Presidente francês lá teve de esquecer mais uma vez a batalha do crescimento, de que de resto - o que verdadeiramente extraordinário! - ninguém falou neste debate. É também o caso da estrutura administrativa da União Europeia, que continua a custar demasiado, sendo de notar, a propósito, que apesar da crise, os funcionários da Comissão recusaram o simples congelamento dos seus generosos salários!
É do que resta que sai tudo o mais, fundos estruturais, fundos de coesão, etc. É de lamentar que, ao contrário do que várias vezes tinha sido vigorosamente defendido por Durão Barroso, tenham sido diminuídos os meios para o investimento em infraestruturas, no conhecimento, nas energias alternativas... em suma, em tudo o que é futuro futuro!
Por aqui se vê que se continua a pensar a Europa numa lógica de mera distribuição de benefícios, sem se querer perceber que essa lógica, que presidiu a toda a década passada, se esgotou. E que a fase que agora se impõe aponta sobretudo para a mutualização dos riscos e para a convergência de objetivos.
O Governo português também ficou contente. Receberá, entre 2014 e 2020, cerca de 27 800 milhões de euros, menos do que lhe foi atribuído no período anterior (31 500 milhões), mas para atenuar esta diminuição recebeu - todos receberam, de uma ou de outra forma! - uns "bónus" avulsos, que totalizam cerca de dois mil milhões.
Destes fundos se dirá certamente, como já se disse dos anteriores, que são uma "última oportunidade" para o País resolver os seus problemas. É por isso pena que o Governo não tenha explicado aos portugueses, de um modo claro e detalhado, quais são os objetivos que quer atingir com todos estes milhares de milhões. Impõe-se fazê-lo com brevidade.
E sobre isto vale a pena ter em atenção dois alertas. O primeiro veio do Tribunal de Contas, que em novembro último nos informou de que, em relação a toda a década passada, não lhe era possível avaliar os efeitos da aplicação dos fundos comunitários por falta de meios suficientes: as "medidas estão apresentadas com pouco detalhe quanto às metas, ao calendário e à execução, aos impactes esperados, aos riscos de execução, aos custos orçamentais e às fontes de financiamento", pelo que " não é possível saber exatamente quais as metas fixadas, se foram alcançadas, quais os resultados e quanto custou".
O segundo alerta foi do prof. Paulo Soares Pinho, da Universidade Nova de Lisboa, e foi feito em entrevista concedida há dias ao jornal Público, em que chamava a atenção para o insólito facto de, entre nós, o capital de risco praticamente não ter histórias de sucesso para mostrar em vinte anos, durante os quais apenas perdeu dinheiro. Na sua opinião, "Portugal teria melhores empreendedores se tivéssemos a possibilidade de ter um sistema de capital de risco mais exigente, sem fundos comunitários a distribuir dinheiro às migalhas por toda e qualquer start-up que lhe bata à porta". É tempo de acabar com a visão adolescente dos fundos europeus, como se eles fossem uma espécie de mesada a que temos direito!...

 IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
14/02/13

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