HOJE NO
"PÚBLICO"
Marc e Eddy ficaram felizes quando
. souberam o dia da sua morte
Gémeos surdos, de 45 anos, souberam que iam ficar cegos em breve. A impossibilidade de voltarem a ver-se tornou-se insuportável e pediram para morrer. Um hospital belga aceitou o seu pedido de eutanásia. Morreram por injecção letal em Dezembro.
Marc e Eddy Verbessem, gémeos, surdos, de 45 anos, morreram no
passado dia 14 de Dezembro na Bélgica. Morreram por que pediram para
morrer. Além da sua surdez, descobriram que estavam a perder a visão e
que iriam ficar cegos. Saber que em breve deixariam de poder ver-se e
assim perder a única forma de comunicação, um código de linguagem
gestual criado pelos dois, foi “insuportável”, segundo a família. Na
segunda vez que recorreram aos médicos para que lhes fosse concedida a
eutanásia, o pedido foi aceite. Mas num país onde a morte assistida é
legal, este foi um caso considerado excepcional, já que nenhum dos
homens sofria de uma doença terminal ou dor física permanente. É o
primeiro caso de eutanásia de gémeos que se conhece no mundo.
Eram inseparáveis, partilhavam um apartamento em
Putte, Norte da Bélgica, que mantinham impecavelmente limpo, cozinhavam e
conseguiam comunicar através de uma linguagem gestual que criaram.
Trabalhavam como sapateiros. “Viviam juntos. Faziam a comida e limpezas.
Podíamos comer no chão. A cegueira ia torná-los totalmente dependentes e
eles não queriam ir para uma instituição. O enorme medo de que nunca
mais se poderiam ver, ou ouvir, nem à família, era insuportável para os
meus irmãos”. O testemunho citado pelo Daily Telegraph é do
irmão mais velho dos gémeos, Dirk Verbessem, que ao contrário dos pais
apoiou aquele que passou a ser o único objectivo na vida de Marc e Eddy
nos últimos meses. Porquê? “Muito perguntarão por que os meus irmãos
optaram pela eutanásia, quando há tantos cegos e surdos que têm uma vida
normal. Mas os meus irmãos enfrentaram doença atrás de doença. Estavam
exaustos”. Os gémeos estavam a perder a visão devido a um glaucoma (uma
doença do nervo óptico que leva à cegueira). Eddy tinha ainda uma
deformação da coluna vertebral e recentemente tinha sido submetido a uma
cirurgia ao coração.
Terão sido estes os argumentos que levaram
os médicos a aplicar uma injecção letal aos dois irmãos no dia 14 de
Dezembro, no Hospital da Universidade de Bruxelas, em Jette. Antes, o
hospital da sua área de residência recusou-se a fazê-lo, justificando a
decisão com a lei do país para a morte assistida. Segundo o Daily Telegraph,
o hospital alegou que “existe de facto uma lei [que permite a
eutanásia] e que é aberta a muitas interpretações”. “Se a qualquer cego
ou surdo for permitida a eutanásia, não estamos no bom caminho”,
defenderam, por outro lado. Para os médicos a quem foi feito o primeiro
pedido de eutanásia, o caso dos gémeos não podia ser entendido como um
caso de “sofrimento insuportável”, uma das condições que a lei belga
exige para que a eutanásia seja concedida.
Ao jornal britânico,
Chris Gastmans, professor de Ética Médica na Universidade Católica de
Lovaina, sustentou que aceitar a eutanásia num caso como este coloca
várias questões, nomeadamente se será a “única resposta que se pode dar
em situações como esta”. “Neste caso, como eticista sinto-me
desconfortável. Hoje, parece que a eutanásia é o único caminho correcto
para terminar com uma vida. Não penso assim. Numa sociedade tão saudável
como a nossa, devemos encontrar outra forma de responder à fragilidade
humana”.
Wim Distelmans, o médico que aceitou o pedido dos gémeos e
que autorizou o processo, disse apenas sobre o caso ter a certeza que
“os gémeos reuniam todas as condições para recorrer à eutanásia”.
Como
ou sem o apoio da família, Marc e Eddy estavam felizes quando lhes foi
dita a data em que iriam morrer. “Estavam muito felizes. Ficaram
aliviados com o fim do seu sofrimento”, contou David Duford, um dos
médicos da equipa do Hospital da Universidade de Bruxelas, à estação de
televisão RTL. A despedida da família foi feita de uma “forma serena e
bonita”, revela ainda o médico. No seu adeus, os gémeos olharam um para o
outro e fizeram um último gesto de despedida. Morreram pouco depois por
injecção letal. Os seus corpos foram depois cremados e as suas cinzas
colocadas em urnas idênticas, lado a lado.
Além da Bélgica, apenas
a Holanda permite legalmente que uma pessoa possa morrer por sua
vontade expressa em casos de doença terminal ou sofrimento físico
intolerável e que sejam confirmados pelos médicos. A Suíça tolera o
suicídio assistido, tendo que ficar garantido que o doente que o pede e a
equipa que o ajuda não têm interesse na morte.
Após a morte dos
gémeos, os socialistas belgas apresentaram uma emenda à lei da
eutanásia. Se for aprovada, a morte assistida poderá ser pedida por
menores, “que tenham capacidade de discernimento” para tomar essa
decisão, e aplicada a doentes de Alzheimer.
* Uma polémica questão de humanidade mas nós congratulamo-nos com a decisão.
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