Os políticos que temos
Temos um relatório de técnicos do FMI encomendado pelo Governo, cuja
realização já em curso foi anunciada por Marques Mendes num canal de TV
por cabo sem que ninguém, da oposição e dos parceiros sociais, tivesse
sido convidado para o debate. Temos a versão preliminar desse relatório,
datada de dezembro, divulgada como uma bomba atómica por um jornal
económico, quando era desconhecida quer da oposição e dos parceiros
sociais quer também de vários membros do Governo, entre eles os do outro
partido da coligação. Temos um secretário de Estado e também um
primeiro-ministro a garantirem, entre elogios ao trabalho "bem feito"
apesar dos inúmeros "pressupostos errados", que a versão final desse
mesmo relatório chegara coincidentemente ao Governo na manhã do dia em
que o jornal a divulgou. E temos novamente o comentador político a
revelar que o Governo vai criar uma comissão para estudar todas as
medidas propostas no mês e meio que falta para que o plano final seja
apresentado à Europa e - a sério - a convidar o PS para a liderar. Ou
seja, temos um documento, que, não sendo a Bíblia do Governo, inclui
seguramente muitos dos mandamentos que este vai aplicar ao País,
anunciado entre programas televisivos, jornais e segundos planos do
Executivo. Temos pois muito mais que o gravíssimo problema de
comunicação governamental sublinhado por Pinto Balsemão. Temos uma
tremenda falta de consideração pelos portugueses.
O descrédito
Temos
um primeiro-ministro que nos propôs no seu programa eleitoral discutir o
Estado que podemos pagar, mas que só vai cumprir essa promessa por
imposição externa, quando já perdeu todo o consenso político e social
para a fazer, e ainda por cima à pressa e sob pressão, à conta de um
corte anunciado mas nunca explicado de 4 mil milhões. Temos o líder de
um Governo que tem nas mãos um relatório que, expurgado da ideologia - e
obviamente dos dados errados que alguém disponibilizou para que
torturados dessem o resultado final desejado --, elenca problemas graves
do País, cujas reformas necessárias e há muito identificadas têm sido
sempre empurradas com a barriga, que só o vai aplicar porque sim e para
que os números finais do Excel fiquem a verde. Ou seja, temos mais uma
oportunidade política perdida, porque a forma e o método com que tudo
vem sido feito deixou este PM sem margem, credibilidade ou aceitação
para a discussão séria, serena e decisiva que se impunha.
O maquiavelismo
Temos
um Presidente que anuncia o envio do Orçamento do Estado para o
Tribunal Constitucional numa mensagem televisiva, mas que nunca fez uma
declaração de interesses pelo facto de uma das normas que manda
fiscalizar o atingir diretamente e a muitos dos que lhe são próximos. E
temos o mesmo Presidente que, apesar do seu passado, garante que não é
dado a intrigas e jogos políticos, mas que, dias depois do discurso de
Ano Novo violento contra o Governo, dá uma entrevista em que fala sobre a
RTP e a obrigação constitucional de manter um serviço público usando
exatamente o mesmo argumento (e até as mesmas palavras) que o CDS-PP e
que troca o semblante carregado por sorrisos, salamaleques e elogios ao
receber Paulo Portas nas comemorações do dia da diplomacia.
O equilibrismo
Temos
um parceiro de coligação sempre com um pé fora e outro dentro do
Governo, sempre a pesar os custos políticos de bater com a porta ou
continuar a pisar as areias movediças. Temos um líder da maioria que num
dia põe os seus acólitos em uníssono a criticar as pressões do Governo
ao Tribunal Constitucional e lança às canelas dos seus colegas do
Executivo o líder-sombra da oposição, o
protocandidato-presidencial-com-grandes-hipóteses Bagão Félix, e no dia
seguinte é ele próprio, o estadista, a dizer que o atual momento obriga a
um consenso político.
As atitudes
Temos
um ministro das Finanças que há meses justifica as mais duras medidas de
sempre para os portugueses dizendo que as mesmas são a única forma de
se evitar o despedimento maciço de funcionários públicos e agora mantém
silêncio sobre um relatório, por ele encomendado, que agrava as medidas
já em curso e sugere que se despeçam ainda mais trabalhadores e por
menos dinheiro.
Temos outro ministro, neste tempo em que o
Governo prepara o pacote de austeridade IV, a achar que pode exibir as
suas capacidades financeiras num resort de luxo do outro lado do
Atlântico, na companhia de quem quiser e sem se importar que o vejam.
Temos
um líder da oposição que, enquanto se entretém a escolher para câmaras
importantes os primeiros alvos inimigos do seu antecessor, propõe tão
timidamente eleições antecipadas que todos percebem que o que quer mesmo
é que o atual Governo aplique este plano infernal e passe pelo
purgatório até ao juízo final quando for tempo de, com o caminho limpo
dos pecados, começar de novo e fazer diferente.
E temos um FMI que
tem metade dos seus altos responsáveis a dizer que a austeridade é um
mau remédio e que é preciso mudar a prescrição para a crise ao mesmo
tempo que a outra metade recomenda que se aumente a dosagem da receita
em curso.
Só se espera que não tenhamos portugueses a acharem que
tudo isto é já normal. Até os adeptos do Sporting estão a forçar
mexidas no clube.
Directora adjunta
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
12/01/13
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