Tudo vai mal
1 - A IGREJA E A DOUTRINA SOCIAL CRISTÃ Num tempo tão difícil em que os desempregados são imensos - e há, pela primeira vez, miséria desde a Revolução dos Cravos -, a Igreja não pode estar calada. Sei que há muitos e bons sacerdotes que protestam e fazem tudo o que podem para ajudar os pobres e os desempregados, bem como as associações cristãs de caridade social.
Mas refiro-me à
Conferência Episcopal e ao senhor cardeal-patriarca, que, talvez pela
primeira vez, foi infeliz no que disse recentemente. Acredito que a
Igreja no seu extenso património também esteja a sofrer cortes. Mas, se
assim é, mais uma razão para protestar e não se pôr ao lado do Governo,
que é responsável pelas políticas de austeridade, que, como é hoje
evidente, nos conduzirão ao desastre total.
O senhor cardeal não
gosta de manifestações, está no seu direito. Mas note que, por enquanto,
se trata, felizmente, de manifestações pacíficas, de que os católicos
se devem lembrar muito bem visto que foram bastante úteis à Igreja,
quando, em tempos passados, foram necessárias...
Permito-me dizer-lhe isto porque a doutrina social da
Igreja faz-nos muita falta, neste momento tão difícil para Portugal. E
não só para os portugueses, para a União Europeia - e para a moeda única
-, que estão em perigo grave de desagregação. Como é que pessoas cultas
e informadas não veem isto?
O atual Governo, como a esmagadora maioria dos
portugueses já percebeu com as políticas de austeridade, está a
empobrecer terrivelmente os portugueses e a destruir Portugal, pondo em
causa a nossa própria democracia e o nosso património. Dou o exemplo da
privatização das águas de que agora se fala e várias outras.
Lembrar-se-ão os católicos que Sua Santidade o atual Papa, quando a
mesma questão foi posta, em Itália, condenou de imediato e indignado uma
tal iniciativa, por a água ser um direito humano comum?
É preciso que os católicos que acreditam sinceramente
na doutrina social da Igreja se manifestem contra este Governo que só
vê o dinheiro e quer destruir tudo quanto seja social.
2 - A MINI-REMODELAÇÃO
Foi uma farsa a remodelação tentada pelo
primeiro-ministro do atual Governo. Mudou o secretário de estado da
Cultura - que nunca teve dinheiro para fazer o que quer que fosse - e
que, ao que parece, estava doente. O caso não era para menos. E alguns
secretários de Estado inadaptados.
Mas não mexeu, porque não lhe foi possível
substituí-los, em alguns ministros que, pela sua incompetência ou
inação, se esperava saíssem. Por exemplo - e só darei um exemplo - o
falso doutor Miguel Relvas, amigo pessoal do primeiro-ministro, mas que
tanto o compromete. Nem um só ministro teve, até agora, a hombridade de
se demitir, apesar de todos os comentários e vaias públicas com que têm
sido frequentemente brindados.
Curiosamente, o ministro da Educação, Nuno Crato,
abriu um inquérito à Universidade Lusófona, para analisar as
licenciaturas que atribuiu aos alunos que, em vez de fazerem exames, os
compravam. Parece terem sido algumas dezenas e entre eles o seu colega
ministerial Miguel Relvas. Da parte do ministro Crato foi um gesto de
coragem que se deve sublinhar. É indiscutível. Mas como é que aqueles
dois ministros se podem entender no Conselho de Ministros?
Já não basta a tensão que existe entre Paulo Portas e
Vítor Gaspar (e, portanto, Passos Coelho) e individualmente entre os
dois partidos da coligação? Apesar de muitos militantes dos dois
partidos - os mais ilustres e conscientes - não se acanharem em dizer
publicamente que o Governo está moribundo e deve demitir-se. Como
respondem os ministros? Silêncio! O que é que esperam para ter a
hombridade de se demitir? Interesses, vaidades, medo do que lhes possa
acontecer?
Será que se recusam a ouvir alguns dos seus mais
ilustres correligionários que têm a coragem de os fustigar, dizendo o
que deles pensam? Como Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix, António
Capucho, Pacheco Pereira, Mota Amaral, Lobo Xavier, Rui Rio, entre
outros.
Nunca até hoje, desde o 25 de Abril, nenhum Governo aceitou sujeitar-se a um tal vexame...
3 - VEM AÍ O ORÇAMENTO PARA 2013
O
Conselho Económico e Social, segundo o Expresso, vai dar um parecer
negativo - como, aliás, os parceiros sociais -, reclamando uma
renegociação imediata do memorando com a troika. Passos Coelho falou
numa "refundação" - palavra horrível - da política até agora seguida.
Convidou o PS para se associar. Como? Depois de o insultar? E antes ou
depois de o Orçamento chumbar? O PS, disse o secretário-geral, António
José Seguro, só vai debruçar-se sobre o Orçamento do Estado para 2013
depois de concluído o debate na generalidade. E vai votar contra.
Mas
há quem considere este Orçamento como anticonstitucional, como disse,
por exemplo, o ilustre constitucionalista Jorge Miranda, com boas
razões, quanto a mim. E outros em virtude de as medidas de austeridade
serem claramente antiprogressistas, portanto, contra o espírito da
Constituição. Mas outros há que, pelo contrário, dizem que é preciso
mudar a Constituição para lhe tirarem o espírito progressista que tem
desde que foi votada, pela primeira vez, e que, felizmente, se manteve
no essencial nas várias revisões. O que a maioria do povo português
jamais permitiria.
É certo que o atual Presidente da República
jurou a Constituição e tem, obviamente, de a manter como tal. O
contrário daria uma guerra civil. Veremos o que a próxima semana nos vai
revelar, com uma coligação ultradébil, em descrédito total, que mal se
entende entre si e um Governo que ideologicamente se propõe cada vez
mais e mais austeridade, sem pensar minimamente no sofrimento tremendo
que está a provocar na maioria dos portugueses, só se ocupando dos
números, que mal se entendem e vão sendo cada vez piores, até à desgraça
final. Ninguém já nega que, se assim continuar, o ano de 2013 vai ser
muito pior do que o de 2012.
4 - UM LIVRO MUITO OPORTUNO
O
livro que vos recomendo é da autoria do Dr. Emanuel Augusto dos Santos,
que foi secretário de Estado adjunto do Orçamento, entre 2005 e 2011, e
tem o título muito significativo Sem Crescimento não Há Consolidação
Orçamental. Não tenho o prazer, infelizmente, de conhecer pessoalmente o
autor.
Com efeito, o livro que vos recomendo foi-me oferecido
pelo meu amigo António Pinto Ribeiro, ex-ministro da Cultura, que o
trazia na mão quando chegou ao restaurante em que almoçámos. O título,
tão oportuno, despertou logo a minha curiosidade, mas sobretudo quando
li o índice da temática versada e verifiquei que o prefácio é da autoria
da minha amiga, que tanto estimo e admiro, Teodora Cardoso.
Pinto
Ribeiro viu-me tão interessado que teve a amabilidade extrema (e
irrecusável) de mo oferecer. Nos dias seguintes tive a oportunidade de o
ler (tem 169 págs., incluindo índices, gráficos e anexos estatísticos) e
termina com uma síntese, "Uma nova política económica para a Europa". É
o que precisamos, para meter os mercados usurários na ordem e
avançarmos para o crescimento económico, a diminuição acelerada do
desemprego, num "quadro europeu de coesão social". Aliás,
simbolicamente, na capa o livro ostenta o mapa de Portugal em fundo, com
um pedregulho imenso em cima, com a palavra horrorosa de austeridade...
Caros
leitores, trata-se de um livro de referência e de síntese, com muita
informação, um projeto europeu para o futuro e que, por isso, vale muito
a pena ler. Recomendo-o vivamente.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
30/10/12
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