01/10/2012

VERA LÚCIA RAPOSO




Decisões em fim de vida: 
    a resposta pedida 
         por médicos e pacientes 

No passado mês de agosto entrou em vigor o diploma que regula as diretivas antecipadas de vontade. A Lei n.º 25/2012, de 16/07, vem permitir que qualquer um de nós (desde que maior de idade e não interdito nem inabilitado por anomalia psíquica) manifeste de antemão a sua vontade quanto aos tratamentos que deseja, ou não, receber em situações de fim de vida, mediante um documento escrito (testamento vital), ou a nomeação de alguém da sua confiança para tomar essa decisão quando o momento chegar (Procurador de Cuidados de Saúde).

Com isto o legislador dá resposta aos anseios há muito sentidos pelos profissionais de saúde. Um dos grandes dilemas com os quais os médicos se debatiam prende-se com a decisão a tomar com doentes incapazes de manifestar a sua vontade, defrontando-se o profissional de saúde com a incerteza, e mesmo angústia, de ter que tomar uma decisão que não lhe compete a si e que representa um fardo demasiado pesado para carregar.Será que, estando consciente, quereria o doente ser submetido a reanimação cardiopulmonar, a medidas de ventilação mecânica, ou alimentação e hidratação artificiais?Será que aceitaria um tratamento experimental, ainda incerto e perigoso, mas que se revela a sua única solução cientificamente existente?

A situação torna-se ainda mais complexa quando os familiares pressionam neste ou naquele sentido, sobretudo sabendo o médico que se arrisca a ver-se envolvido num processo judicial por não ter atuado ou por ter atuado sem consentimento do paciente.

O contributo da lei consiste em fornecer aos médicos uma base segura de atuação, na medida em que a decisão fundada na diretiva se considera conforme à decisão do paciente eo isenta de responsabilidade por este motivo (porém, não afasta a responsabilidade por outras violações das legesartis). Recorde-se que o Código Penal comina, no seu artigo 156.º, uma pena que pode ir até 3 anos de prisão para profissionais de saúde que atuem sem o consentimento livre e esclarecido do paciente, só permitindo presumir o dito consentimento quando “não se verificarem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado”, uma salvaguarda demasiado vaga para conferir ao médico a necessária tranquilidade. 

Sobretudo tendo em conta que é o próprio Código Deontológico da Ordem dos Médicos que prescreve o respeito pela vontade do paciente (artigo 49.º) e, por outro lado, considera contrários à boa prática médica“meios fúteis de diagnóstico e terapêutica que podem, por si próprios, induzir mais sofrimento, sem que daí advenha qualquer benefício” (artigo 58.º/1).

Contudo,e de maior alcance ainda, é o reconhecimento legal de que cada cidadão dispõe do direito de decidir sobre matérias tão íntimas e decisivas para a sua existência como aquelas que se prendem com o bem-estar, o corpo e a saúde. 

Não se trata da legalização do suicídio assistido, muito menos da eutanásia, mas apenas da constatação de que a medicina tem limites que por vezes a tornam incapaz de salvar a vida do paciente, e mesmo de lhe atenuar as dores ou lhe conferir algum conforto, limitando-se a prolongar a sua existência física, mas quantas vezes totalmente dependente de máquinas. 

Quando assim suceda deve ser o próprio paciente a decidir se prefere continuar a submeter-se a medidas de escasso ou incerto resultado ou, pelo contrário, se prefere deixar o processo de morte natural seguir o seu curso. Nem os médicos, nem a família, nem um juiz, se podem substituir ao próprio nesta decisão, sob pena de negarmos a réstia de dignidade que assiste àqueles que mais sofrem.

* Vieira de Almeida e Associados/ Associada/Consultora

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
26/09/12

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