10/09/2012

JOSÉ CABRITA SARAIVA






 Escritores na prisão

Nunca me senti especialmente atraído por bestsellers – pelo contrário. E não creio que seja por snobismo. Talvez seja, isso sim, por influência do que se passa na televisão: tal como é quase certo que um programa campeão de audiências não tem qualidade, também costumo desconfiar dos livros que vendem muito. Posso estar errado e andar a perder óptimas leituras, mas nunca li uma linha da saga Harry Potter ou do Código da Vinci.
Até que, no último Natal, recebi de presente um livro de Jeffrey Archer. Chama-se Contos do Gato Vadio, mas o que mais me seduziu foram os títulos invulgares dos contos, como ‘O homem que assaltou a sua própria estação de correios’ ou ‘Já estamos em Outubro?’.
Recentemente, depois de uma leitura mais pesada, achei que seria boa ideia pegar nesse livro. E não me arrependi.
Chegámos à altura de fazer as apresentações. Jeffrey Archer é um autor britânico nascido em 1940 que já terá vendido cerca de 120 milhões de exemplares. Antes de se dedicar a tempo inteiro à escrita, teve uma carreira como político. Aos 29 anos já era o membro mais novo do Parlamento. Em 1974, vítima de uma fraude, perdeu toda a sua fortuna e foi obrigado a mudar-se para uma casa mais modesta. Regressou à política em 85, como deputado pelo partido conservador. Mas um ano depois viu-se envolvido num escândalo sexual e teve de se demitir.
A história não ficou por aí. Archer ganhou uma acção em tribunal contra o jornal Daily Star, recebendo uma gorda indemnização – meio milhão de libras. Estava de novo rico e pronto para regressar à política, o que fez em 1999, candidatando-se à Câmara de Londres.
Teve de retirar a candidatura quando o News of the World noticiou que cometera perjúrio no julgamento de 1987. Foi condenado e preso, mas capitalizou a experiência ao fazer uma peça de teatro em que recriava o julgamento. O público decidia se devia ou não ser condenado. E foi durante o tempo passado na prisão que recolheu as histórias de outros reclusos que resultaram nos Contos do Gato Vadio.
Sei que devia ter-se passado precisamente o contrário, mas a verdade é que ao saber que Archer esteve preso o meu respeito por ele aumentou. A passagem pelo cativeiro inscreve-o numa longa e ilustre linhagem de escritores-prisioneiros.
Podemos começar por Boécio, que foi preso e mandado executar pelo Rei Teodorico no ano de 524. Na prisão escreveu o clássico A Consolação da Filosofia. Na Rússia, tivemos Dostoievski e Soljenítsin, dois gigantes que dispensam apresentações. Em Itália, Primo Levi e o mulherengo Casanova. Em Portugal, o grande Camões e Camilo.
Claro que há uma diferença importante: quase todos os escritores que mencionei foram presos por defenderem as suas convicções. Archer foi simplesmente desonesto; mas as suas histórias são tão boas que ninguém lhe leva a mal por isso.

 IN "SOL"
05/09/12

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