Escritores na prisão
Nunca me senti especialmente atraído por bestsellers – pelo contrário. E
não creio que seja por snobismo. Talvez seja, isso sim, por influência
do que se passa na televisão: tal como é quase certo que um programa
campeão de audiências não tem qualidade, também costumo desconfiar dos
livros que vendem muito. Posso estar errado e andar a perder óptimas
leituras, mas nunca li uma linha da saga Harry Potter ou do Código da
Vinci.
Até que, no último Natal, recebi de presente um livro de
Jeffrey Archer. Chama-se Contos do Gato Vadio, mas o que mais me seduziu
foram os títulos invulgares dos contos, como ‘O homem que assaltou a
sua própria estação de correios’ ou ‘Já estamos em Outubro?’.
Recentemente, depois de uma leitura mais pesada, achei que seria boa ideia pegar nesse livro. E não me arrependi.
Chegámos
à altura de fazer as apresentações. Jeffrey Archer é um autor britânico
nascido em 1940 que já terá vendido cerca de 120 milhões de exemplares.
Antes de se dedicar a tempo inteiro à escrita, teve uma carreira como
político. Aos 29 anos já era o membro mais novo do Parlamento. Em 1974,
vítima de uma fraude, perdeu toda a sua fortuna e foi obrigado a
mudar-se para uma casa mais modesta. Regressou à política em 85, como
deputado pelo partido conservador. Mas um ano depois viu-se envolvido
num escândalo sexual e teve de se demitir.
A história não ficou
por aí. Archer ganhou uma acção em tribunal contra o jornal Daily Star,
recebendo uma gorda indemnização – meio milhão de libras. Estava de novo
rico e pronto para regressar à política, o que fez em 1999,
candidatando-se à Câmara de Londres.
Teve de retirar a candidatura
quando o News of the World noticiou que cometera perjúrio no julgamento
de 1987. Foi condenado e preso, mas capitalizou a experiência ao fazer
uma peça de teatro em que recriava o julgamento. O público decidia se
devia ou não ser condenado. E foi durante o tempo passado na prisão que
recolheu as histórias de outros reclusos que resultaram nos Contos do
Gato Vadio.
Sei que devia ter-se passado precisamente o contrário,
mas a verdade é que ao saber que Archer esteve preso o meu respeito por
ele aumentou. A passagem pelo cativeiro inscreve-o numa longa e ilustre
linhagem de escritores-prisioneiros.
Podemos começar por Boécio,
que foi preso e mandado executar pelo Rei Teodorico no ano de 524. Na
prisão escreveu o clássico A Consolação da Filosofia. Na Rússia, tivemos
Dostoievski e Soljenítsin, dois gigantes que dispensam apresentações.
Em Itália, Primo Levi e o mulherengo Casanova. Em Portugal, o grande
Camões e Camilo.
Claro que há uma diferença importante: quase
todos os escritores que mencionei foram presos por defenderem as suas
convicções. Archer foi simplesmente desonesto; mas as suas histórias são
tão boas que ninguém lhe leva a mal por isso.
05/09/12
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