As absolvições
no julgamento Freeport
Quando o
Ministério Público pediu ontem a absolvição dos arguidos numa acusação
por si elaborada sobre a existência de um crime de extorsão no
licenciamento do Freeport, que atingiu seriamente a reputação de José
Sócrates, somaram-se sete anos de investigação, julgamento e um notável
fracasso da entidade a que o Estado atribui a competência da ação penal.
Quando
o Tribunal da Relação decidiu anular a condenação de um homem a 22 anos
de cadeia por homicídio do dono do bar Avião, ao considerar inválidas
as provas apresentadas - faturação telefónica -, este Ministério Público
voltou a somar outro falhanço.
A 31 de maio, quando Fátima
Felgueiras foi declarada definitivamente inocente no processo conhecido
como "Saco Azul", duas condenações anteriores tinham sido anuladas por
prescrição, e a que restou, de alegado peculato, caiu por terra por
falta de provas. Mais uma vez, o Ministério Público ficou mal na
fotografia.
Só me refiro a notícias com duas semanas. Há anos que
noticiamos em quilómetros de palavras uma torrente de insucessos deste
tipo. Somam-se casos e casos em que faltam provas para obter
condenações. Quando há provas, elas são anuladas porque foram obtidas de
forma ilegal. Quando os casos são mediáticos, as investigações
arrastam-se anos e anos até ao desespero da prescrição, o que deixa os
arguidos na situação moral insustentável de terem de viver condenados na
opinião pública mas sem serem julgados nos tribunais. Quando os
processos são económicos ou causam algum alarido social, passam para a
classificação "de grande complexidade", e a confusão instala-se até ao
absurdo. (Começou ontem um, com vários bancos de investimento
suspeitos...)
As estatísticas dirão que as taxas de condenações
obtidas pelo Ministério Público até são boas. Mas como também conta para
essa tabela mandar para a cadeia carteiristas apanhados em flagrante,
ladrões de automóveis estampados em perseguição policial ou incendiários
loucos que confessam o crime aos bombeiros, estaremos a lidar com uma
falácia escrita em percentagens.
Os problemas com a Justiça
portuguesa não se resolvem com reformas na lei penal, com perdas de
direitos de arguidos ou com novos mapas judiciários. Tudo isso já foi
feito no passado e não resultou. A crise na Justiça começa por ser a
crise do Ministério Público. De meios, de preparação, de métodos de
trabalho, de objetivos, de critérios de atuação, de pessoas. Aí, sim, a
ministra Paula Teixeira da Cruz deveria mudar tudo, de alto a baixo. Mas
não, não é isso que ela está a fazer. Em que aposta, caro leitor:
cobardia política ou cegueira?
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
17/07/12
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