A culpa
mora sempre
ao lado
Através da declaração de voto do juiz Carlos Pamplona de Oliveira, ficámos a saber que o Governo, sabe-se lá se por falta de tempo, excesso de confiança ou tiques de arrogância, prescindiu da oportunidade de tentar convencer os juízes do Tribunal Constitucional a viabilizar os cortes a funcionários públicos e pensionistas com remunerações acima de 600 euros brutos por mês.
Carlos Pamplona de Oliveira, que foi
indicado pelo PSD e é dado como próximo do CDS, é um dos juízes que
votou pela inconstitucionalidade do Orçamento do Estado para 2012 e um
dos que esteve contra a decisão, maioritária, de limitar os efeitos da
ilegalidade apenas de 2013 em diante. Recorda ele, na breve e
previsivelmente última declaração de voto que redigiu, que "o Governo
não estava impedido de apresentar ao Tribunal Constitucional
as suas razões quanto à não inconstitucionalidade das normas em causa.
Não o fez". "Para além disso, precavendo a hipótese de julgamento
adverso, teria [o Governo] até o dever de invocar, se as houvesse, as
razões de excepcional interesse público que, em seu entender, imporiam
uma restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade [apenas
de 2013 em diante]. Também não o fez".
Lê-se esta denúncia
pública da inércia governamental e estranha-se. A medida mais valiosa
para a execução orçamental nos próximos anos, e que, ainda que
artificialmente, permitia ao Governo apresentar aos mercados a
repartição de 1/3 – 2/3 de consolidação pelo lado da receita e da
despesa, credibilizando o processo de reequilíbrio das contas públicas,
foi atirada sobre os cidadãos sem que houvesse sequer a preocupação de a
sustentar à luz dos princípios que moldam o Estado de direito.
O
Governo começou por ser aventureiro ao actuar como se não houvesse
limites à sua actividade legislativa, seguiu sobranceiramente sem passar
cavaco ao Tribunal, e acabou derrotado. Agora que está encurralado
entre um inevitável aumento de impostos e uma insatisfação social
crescente, tenta minimizar os danos de imagem através de mal disfarçadas
tentativas de sacudir a água para o capote do Palácio Ratton.
Bem
pode Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS-PP, desdobrar-se em
intervenções exaltadas contra a intromissão do Tribunal na solvabilidade
do País; de deturpar a mensagem do acórdão, acusando-o de querer impor
uma equivalência absoluta entre os trabalhadores do sector público e os
do privado (coisa que o acórdão não faz); e de querer limitar a acção de
um Tribunal Constitucional a matérias que não têm implicações
orçamentais.
O que é certo é que os dois partidos que
recuperaram o seu fôlego eleitoral à custa de causas populares, e que há
um ano garantiam que um governo competente atalharia ligeiro e
destemidamente pelo corte das despesas supérfluas adentro, ficarão para a
história como os que elevaram a carga fiscal sobre os particulares para
níveis quase confiscatórios. Nos rendimentos do trabalho, no consumo,
na propriedade imobiliária.
A responsabilidade por sucessivas
más escolhas políticas pode estar em muito lado, mas definitivamente não
mora no Palácio Ratton.
*Redactora Principal
Visto por dentro é um espaço de opinião de jornalistas do Negócios
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IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
12/07/12
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