13/07/2012

ELISABETE MIRANDA




A culpa 
    mora sempre 
                   ao lado 


Através da declaração de voto do juiz Carlos Pamplona de Oliveira, ficámos a saber que o Governo, sabe-se lá se por falta de tempo, excesso de confiança ou tiques de arrogância, prescindiu da oportunidade de tentar convencer os juízes do Tribunal Constitucional a viabilizar os cortes a funcionários públicos e pensionistas com remunerações acima de 600 euros brutos por mês.
Carlos Pamplona de Oliveira, que foi indicado pelo PSD e é dado como próximo do CDS, é um dos juízes que votou pela inconstitucionalidade do Orçamento do Estado para 2012 e um dos que esteve contra a decisão, maioritária, de limitar os efeitos da ilegalidade apenas de 2013 em diante. Recorda ele, na breve e previsivelmente última declaração de voto que redigiu, que "o Governo não estava impedido de apresentar ao Tribunal Constitucional as suas razões quanto à não inconstitucionalidade das normas em causa. Não o fez". "Para além disso, precavendo a hipótese de julgamento adverso, teria [o Governo] até o dever de invocar, se as houvesse, as razões de excepcional interesse público que, em seu entender, imporiam uma restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade [apenas de 2013 em diante]. Também não o fez".

Lê-se esta denúncia pública da inércia governamental e estranha-se. A medida mais valiosa para a execução orçamental nos próximos anos, e que, ainda que artificialmente, permitia ao Governo apresentar aos mercados a repartição de 1/3 – 2/3 de consolidação pelo lado da receita e da despesa, credibilizando o processo de reequilíbrio das contas públicas, foi atirada sobre os cidadãos sem que houvesse sequer a preocupação de a sustentar à luz dos princípios que moldam o Estado de direito.

O Governo começou por ser aventureiro ao actuar como se não houvesse limites à sua actividade legislativa, seguiu sobranceiramente sem passar cavaco ao Tribunal, e acabou derrotado. Agora que está encurralado entre um inevitável aumento de impostos e uma insatisfação social crescente, tenta minimizar os danos de imagem através de mal disfarçadas tentativas de sacudir a água para o capote do Palácio Ratton.

Bem pode Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS-PP, desdobrar-se em intervenções exaltadas contra a intromissão do Tribunal na solvabilidade do País; de deturpar a mensagem do acórdão, acusando-o de querer impor uma equivalência absoluta entre os trabalhadores do sector público e os do privado (coisa que o acórdão não faz); e de querer limitar a acção de um Tribunal Constitucional a matérias que não têm implicações orçamentais.

O que é certo é que os dois partidos que recuperaram o seu fôlego eleitoral à custa de causas populares, e que há um ano garantiam que um governo competente atalharia ligeiro e destemidamente pelo corte das despesas supérfluas adentro, ficarão para a história como os que elevaram a carga fiscal sobre os particulares para níveis quase confiscatórios. Nos rendimentos do trabalho, no consumo, na propriedade imobiliária.

A responsabilidade por sucessivas más escolhas políticas pode estar em muito lado, mas definitivamente não mora no Palácio Ratton. 


*Redactora Principal
Visto por dentro é um espaço de opinião de jornalistas do Negócios

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
12/07/12

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