29/02/2012

PEDRO SOUSA CARVALHO



Não me obriguem 
       a vir para a rua gritar

A equipa da ‘troika’ termina esta semana a terceira visita a Portugal, numa altura em que o País assinala 25 anos da morte de José Afonso. E pus-me a pensar no que diria o Zeca a esses senhores da ‘troika’ se ainda por cá estivesse.

Será que se virava para os três da ‘troika', de peito aberto, e dizia ‘Venham mais cinco'? Ou diria que em Portugal ‘Não há lugar Pr'ós filhos da mãe' e que por cá ‘é o povo quem mais ordena'? Zeca, em tom de ameaça, também era homem para dizer ‘Não me obriguem a vir para a rua gritar'.

Ou será que com o passar dos anos, a rebeldia e a irreverência já teriam dado lugar a um maior conformismo e resignação? Neste caso, Zeca era capaz de dizer aos senhores da ‘troika': ‘Sejam bem-vindos quem vier por bem' ou até ‘Traz outro amigo também'.

A terceira avaliação da ‘troika' acontece numa altura em que estão a ser divulgados dados que mostram que a austeridade, que está a ser cumprida à risca pela maioria PSD/CDS, começa a ter efeitos bastantes nocivos para a economia, à semelhança aliás do que aconteceu na Grécia. E evidências não faltam. Veja-se os dados no PIB que no último trimestre derrapou 2,7%, devido a uma travagem brusca do consumo. E as projecções para este ano não auguram nada de bom, com Bruxelas a vaticinar uma aterragem de 3,3%. E pior do que isso, o abrandamento ou recessão nos nossos maiores parceiros comerciais (Espanha, Alemanha, França e Itália) ameaçam as nossas exportações, a única variável que tem dado um contributo positivo para o PIB.

Os primeiros dados conhecidos da execução orçamental também não deixam margem para optimismos. Aqui, mais uma vez, o Governo PSD/CDS conseguiu cumprir à risca o acordado com a ‘troika', baixando drasticamente o défice. Mas o motor das receitas fiscais começa a engripar, com o valor dos impostos cobrados (sobretudo o IRC e impostos sobre veículos) a cair a pique. O que vem provar a teoria de que a curva de Laffer, a partir de determinadas taxas de impostos começa a ser descendente.

E para quem ainda tem dúvidas sobre o impacto das medidas de austeridade que olhe para os dados do desemprego que saltou para 14% no final do ano, tendo o país, entre desempregados e desencorajados, mais de um milhão de activos sem trabalho. E aqui é que a coisa começa a complicar-se, pois as consequências sociais são dramáticas.

Portugal, pelos excessos que foram cometidos no passado, tem naturalmente de travar um combate feroz contra o défice e a dívida pública. E o Governo até tem conseguido várias vitórias na implementação da austeridade. Mas mais vitórias como estas, como diria um tal de Pirro, e estaremos todos perdidos.

E é a necessidade deste equilíbrio, entre austeridade e medidas que espevitem o crescimento e o emprego, que o Governo tem de transmitir aos senhores da ‘troika'. Caso contrário, mais vale embalarem a trouxa da austeridade e zarpar.

Subdirector

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
27/02/12

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