Os deputados, ao aceitarem reduzir as suas funções na discussão orçamental a uma mera votação, prescindem dos poderes que os eleitores lhes concederam
Num tempo em que assistimos a uma secundarização do parlamento no que toca à definição dos grandes objectivos a perseguir em matéria de finanças públicas, não deveríamos contentar-nos com as opções que parecem desenhar-se no sentido da aprovação/abstenção/rejeição do Orçamento por parte dos deputados. Sem mais, estas opções representam, neste momento, o reconhecimento da incapacidade parlamentar de decidir quanto aos meios para atingir os objectivos de sustentabilidade financeira com que estamos comprometidos internacionalmente. Significaria uma abdicação do poder legislativo-financeiro de que o parlamento dispõe em favor do governo.
A proposta do OE do governo não é apresentada para que no parlamento os deputados se limitem a manifestar a sua concordância ou discordância. Nos termos da Constituição, o Orçamento está pensado como o resultado do trabalho conjugado de dois órgãos: o governo, com iniciativa exclusiva de apresentação da sua proposta, e o parlamento, com aquilo a que se chama o direito de emenda. Este direito de emenda corresponde ao poder de propor e introduzir alterações ao texto apresentado pelo executivo. Este direito confere, portanto, à Assembleia da República a co-autoria do OE por ela aprovado.
Encontramo-nos num processo orçamental que se distingue dos anteriores a que estávamos habituados. O conhecimento da proposta do OE 2012 deu lugar, como há já muitos anos não sucedia, a uma discussão, com propostas concretas, de outras soluções possíveis visando os mesmos fins apontados pelo governo. Na sociedade civil lavra agora um aceso debate sobre aquilo que deve ser um Estado financeiramente sustentável. A não apresentação na AR de projectos orçamentais que sugiram vias alternativas à solução encontrada pelo governo deixaria desamparado e sem representação política o debate que já se faz nas ruas. Isso seria decepcionante.
Assim, nas circunstâncias particulares em que vivemos, o direito de emenda deve ser encarado pelos deputados como um dever. Depois de tantas propostas já apresentadas a debate na comunicação social, mal ficaria aos deputados não acolherem estas ou outras ideias semelhantes e não questionarem o governo sobre elas.
Este é o tempo de discutir as opções feitas pelo governo e explorar as suas consequências sociais. O equilíbrio de receitas e despesas encontrado não deve ser tomado como definitivo, pois ainda pode ser alterado. O governo já deu, aliás, sinais de que está disposto a rever algumas opções. É preciso pois que os deputados cumpram o seu dever.
Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa
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27/10/11
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