O sistema
Naquela aldeia, a agricultura era a principal actividade. Havia terrenos de grandes dimensões, devidamente estruturados para a cultura de vários produtos. O clima era propício e o solo era muito fértil. Havia uma grande tradição de prática agrícola, naquela região, e as culturas eram pertença de famílias que já levavam muitos anos, naquela actividade.
Cada agricultor descendia de uma família que já tinha os seus produtos definidos, havia várias gerações. Por isso, o mais importante, a cada momento, era dar continuidade a produções que tinham muitos anos de existência e de sucesso.
Houve, também, tempos de discórdia, entre algumas das famílias. Quando as divergências se resolveram, houve necessidade de criar uma cooperativa, para que novas divergências não pudessem surgir e, também, para que a agricultura daquela região marcasse uma posição forte, numa região mais abrangente.
Em pouco tempo, a cooperativa lançou as bases para um futuro de prosperidade. Era encarada, em muitas regiões, como um exemplo a seguir. Cada agricultor, pelo simples facto de pertencer àquela cooperativa, sentia que a sua credibilidade aumentava, em várias áreas da actividade.
Mesmo no que dizia respeito à obtenção de crédito, para financiar a actividade agrícola, um agricultor conseguia boas condições, apenas por pertencer à cooperativa. A credibilidade de cada um era a mesma da cooperativa, ou seja, a melhor possível.
Havia um homem, conhecido como o “Avaliador”, cuja função era classificar os agricultores, mediante o risco que havia em emprestar dinheiro a cada um deles. Se as probabilidades de um empréstimo ter retorno fossem boas, a classificação do agricultor era boa, caso contrário, a classificação era má. Os agricultores bem classificados tinham boas taxas de juro, os outros tinham taxas pouco vantajosas. A actividade do Avaliador abrangia um vasto conjunto de aldeias e funcionava como referência.
A certa altura, a aldeia que tem sido descrita passou por tempos difíceis, marcados por uma retracção da actividade e da rentabilidade da agricultura, o que provocou a discórdia, na cooperativa. Os agricultores mais prósperos começaram a desentender-se, a liderança foi-se diluindo, entre várias personalidades sem carisma e, aos poucos, os agricultores que estavam mais atrasados n a produtividade começaram a ter dificuldades, muito por culpa de más decisões que foram tomando, nos tempos prósperos, em virtude da protecção da cooperativa.
Quando a cooperativa começou a dar sinais de fragilidade e o Avaliador se apercebeu de que alguns dos agricultores poderiam ficar para trás, sem apoio dos mais prósperos, começou a dar más classificações a esses agricultores. No início, era comum ouvir-se dizer que o importante era que os agricultores mal classificados recuperassem a credibilidade, para que as classificações aumentassem e, assim, se conseguissem melhores condições de crédito. As classificações não aumentaram e a cooperativa foi obrigada a apoiar os agricultores que estavam em dificuldades.
O Avaliador continuou a baixar as classificações desses agricultores e o discurso, relativamente à sua actividade, foi mudando. Passou a ser dito, com frequência, que o Avaliador já se tinha enganado anteriormente, ao dar nota máxima a agricultores que, mais tarde, faliram, e também que o Avaliador era parte interessada nas descidas das classificações dos agricultores, pelo que a sua imparcialidade foi colocada em causa. Ao mesmo tempo, dizia-se que, muitas vezes, as descidas das classificações aconteciam em alturas em que nada o faria prever. Aos poucos, o número de vozes que vociferavam contra o Avaliador foi aumentando, até que a cooperativa fez uma declaração na qual afirmava que deixaria de ter em conta as opiniões do Avaliador.
Enquanto procurava formas de iniciar a recuperação económica, naquela aldeia, a cooperativa decidiu criar um avaliador local, cujas opiniões serviriam de referência ao crédito. A sua credibilidade foi, de imediato, posta em causa, no exterior da aldeia. Ninguém se tinha lembrado do facto de ter sido sugerida a imparcialidade, como causa do descrédito do Avaliador.
Até que um dos mais velhos agricultores da aldeia, que defendia acerrimamente os valores da cooperativa, resolveu propor que os agricultores mostrassem espírito de entreajuda, pedindo todos os empréstimos que fossem necessários, em nome da cooperativa, resolvendo depois, em privado, as contas entre eles. Ninguém sabia se iria resultar, mas pelo menos diminuiriam as desconfianças e as interferências de quem nada fazia, senão emitir opiniões e previsões que se cumpriam a si mesmas. Era um bom princípio.
IN "CORREIO DO MINHO"
24/07/11
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