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Fogo amigo
* Eurodeputada pelo BE. Socióloga.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
04/07/20
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Fogo amigo
Os tempos que temos pela frente vão ser, aliás, já estão a ser, difíceis. Trazer a público as divergências com quem coordena a resposta de saúde pública não os vai simplificar e é uma tremenda irresponsabilidade.
A expressão é eufemística e supostamente refere-se a um engano. Fala-se
de fogo amigo para um ataque que vem de dentro e parece que é o que
estamos a assistir em Portugal mesmo antes da paragem sazonal. Senão
vejamos. A resposta à crise pandémica trouxe para o centro da política
portuguesa a ministra Marta Temido e a Diretora Geral de Saúde Graça
Freitas. Em tempos de enorme incerteza, e não isentas de falhas, tiveram
a capacidade de ir respondendo com o que sabiam, gerindo a incerteza e
dando respostas de forma clara e corajosa. Essa resposta deu a Costa a
popularidade de que tem gozado. É por isso que é tão indigna a mudança
de postura de uma parte do partido do governo que não se coíbe agora de
criticar a sua intervenção e de fazer coro com a direita. É esta mudança
um acaso? Não parece.
Numa altura em que o Partido Socialista chega a acordo com o Partido
Social Democrata para negociar medidas essenciais do orçamento
suplementar e para acabar com os debates quinzenais, torna-se evidente
que o governo se está a preparar para os tempos difíceis que aí vêm
através de um entendimento estratégico à direita. É por isso que a
resposta não está a passar pelo reforço das políticas públicas ou pelo
reconhecimento do muito que ainda há a fazer no Serviço Nacional de
Saúde. Pelo contrário, o Primeiro-Ministro parece estar mais preocupado
com a identificação de bodes expiatórios para despejar responsabilidades
pelas dificuldades que terá pela frente e que não está a prevenir.
Marta Temido e Graça Freitas são os primeiros rostos. As incertezas
associadas à pandemia e o ruído introduzido pela direita são os aliados
perfeitos. É aqui que entra a expressão militar de fogo amigo. Mas aqui
não há engano. Há sim uma liderança que manda soldados para a fogueira
quando o cerco começa a apertar.
Que Marta Temido seja o alvo destes ataques também não é uma
surpresa. Apesar de todas as lacunas que se possam identificar na sua
actuação, estamos a falar da ministra que acabou com a Parceria
Público-Privada no Hospital de Braga e cujos resultados positivos
começam já a ser notícia. É claramente uma mulher do SNS. Num contexto
em que começa a cheirar a Bloco Central, Marta Temido poderá ser
incómoda e Graça Freitas é levada por arrasto.
Os tempos que temos pela frente vão ser, aliás, já estão a ser,
difíceis. Trazer a público as divergências com quem coordena a resposta
de saúde pública não os vai simplificar e é uma tremenda
irresponsabilidade. Só pode, portanto, ser explicado por uma estratégia
de realinhamento do PS à direita. A confirmar-se, esse realinhamento
significará um enorme retrocesso nas poucas conquistas dos últimos anos e
a impossibilidade de sairmos da crise mais fortes e mais preparados
para crises futuras. O que se passou esta semana a propósito da
nacionalização da TAP e das críticas internas ao ministro Pedro Nuno
Santos encaixa perfeitamente nesta estratégia. A estratégia de começar a
remover ou fragilizar os que possam ser obstáculos no caminho para um
novo bloco central. O problema é que este não é o caminho que o país
precisa.
* Eurodeputada pelo BE. Socióloga.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
04/07/20
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