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IN "VISÃO"
24/07/20
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O triunfo do eixo franco-alemão
sobre as vistas curtas
dos tais “frugais”
Apesar de o líder dos Países Baixos preferir não apelidar o acordo de
histórico, este acordo é sim um sinal de revés da sua orientação
neoliberal para a UE, defensora de que os ajustamentos
económico-financeiros na Zona Euro tenham de ser feitos pela redução dos
custos do trabalho e de despesa pública
O Conselho Europeu de 17 a 21 de julho foi a segunda cimeira mais
longa da história da UE, para ela própria fazer história na integração
europeia. Foi aprovado um fundo de recuperação de 750 milhões de euros,
dos quais 390 milhões são transferências financeiras para os
Estados-membros, cujo pagamento é garantido por contração de dívida
pública comum europeia. Não, o acordo não foi tão ambicioso como a
proposta inicial! Sim, os tais “frugais” condicionaram a negociação e
fizeram baixar a fasquia! Sim, os Estados de Visegrado, violadores do
estado de direito, também! Foi o preço a pagar pela regra de votação por
unanimidade – a dos acérrimos defensores da soberania nacional! Mas já
lá iremos.
Primeiro, o caráter histórico do acordo. A UE iniciou a
crise Pandémica com alguns estados a dizer “jamais” à mutualização de
dívida europeia como resposta à crise económica que se avizinhava. Uma
medida já reclamada por alguns economistas desde a criação da moeda
única, e reforçada na crise financeira de 2008, mas sem sucesso. A
entrada da dupla franco-alemã na dianteira das propostas económicas de
resposta à Pandemia, ladeada pela iniciativa hábil da Comissão de von
der Leyen, abriu caminho para que a UE tivesse aprovado em tempo recorde
um pacote financeiro que não só será uma injeção de alívio às economias
nacionais, permitindo reduzir significativamente as consequências
sociais da crise e conter os discursos políticos nacionalistas e
extremistas, como também significa um enorme avanço na integração
económica desde a instauração do Euro. Por algum motivo lhe chamaram o
Plano Marshall da Europa. Triunfaram as lições políticas das
consequências da resposta à crise financeira de 2008, invertendo-se a
tendência austeritária que daí derivou e que alguns Estados estavam
dispostos a replicar agora.
O acordo é histórico porque concessiona à Comissão Europeia a emanação
de dívida pública europeia – trata-se portanto de assunção de uma
responsabilidade financeira da UE pela via supranacional e não
intergovernamental. Embora vinculada apenas a este pacote de dívida,
abre o caminho para a criação de novas receitas próprias do orçamento da
União, ou seja, para uma capacidade tributária europeia, para garantir o
pagamento da dívida. O mais difícil, dar o primeiro passo, está feito. A
UE reforça assim o seu papel, até agora praticamente irrisório, de
redistribuição de riqueza à escala europeia. Não se trata de
solidariedade, como já aqui escrevi! Trata-se de racionalidade
económica. Quer isto também dizer que o discurso já gasto dos tais
“frugais” e de muitos que cá pelos lados do Sul o reproduzem quando
estão na oposição ou levados pelos ventos neoliberais, de acusar
Portugal de “pedinte”, não colhe! De acordo com o projeto, a dívida não
será paga com contribuições nacionais, mas sobretudo com a criação de
receitas fiscais europeias, algumas advindas das dinâmicas próprias das
liberdades comerciais e económicas permitidas pelo mercado interno
europeu. Abre-se a porta para que a UE finalmente comece a equilibrar as
suas competências de liberdade de mercado com a de regulação, através
da fiscalidade.
Não quer isto dizer, para descanso dos temorosos com a perda de
soberania nacional, que se a UE adquirir competências fiscais
permanentes, esvazie os Estados da sua existente competência fiscal.
Quer apenas dizer que os estados mantêm competências fiscais ao nível
nacional, mas haverá um âmbito de competência fiscal exercida ao nível
supranacional (em que será mais eficaz fazê-lo a este nível do que ao
nacional – veja-se o que está planeado: taxas sobre o digital, sobre o
plástico não reciclado, ajustamento de emissões de carbono e imposto
sobre transações financeiras, a concretizar até 2027).
Por isso, apesar de o líder dos Países Baixos preferir não apelidar o
acordo de histórico, este acordo é sim um sinal de revés da sua
orientação neoliberal para a UE, defensora de que os ajustamentos
económico-financeiros na Zona Euro tenham de ser feitos pela redução dos
custos do trabalho e de despesa pública, enquanto os equilíbrios
orçamentais holandeses proveem de políticas fiscais agressivas que
desviam milhares de milhões de euros em impostos de empresas europeias
que deveriam ser pagos noutros países, onde a atividade económica é
gerada.
Igualmente importante é o facto de este passo de integração vir
reforçar o debate do aprofundamento político da UE, da necessidade de
reforma das instituições europeias, nomeadamente de aprofundamento da
sua legitimidade, através de reforço de mecanismos democráticos. É isto
também a materialização da “Europa dos cidadãos”! Uma Europa que combate
as crises económicas com minimização de consequências sociais! Uma
Europa que legitima as suas políticas por participação representativa
dos cidadãos.
Podíamos ter ido mais longe neste Conselho Europeu? Podíamos! E
deveríamos, em vários aspetos! O otimismo do momento não esconde que o
montante pode vir a não ser suficiente face à imprevisibilidade da
evolução pandémica. Mas a realpolitik é assim! Com um sistema de decisão
por unanimidade as cimeiras não só se alongam, como as cedências têm de
acontecer para que seja possível um acordo. E são precisamente as
vicissitudes desta negociação no Conselho Europeu que também evidenciam
bem as perversidades de um sistema de decisão intergovernamental e por
unanimidade como método de decisão, que muitos defendem como o melhor
garante do interesse nacional. Ora, a unanimidade permitiu que quatro
governos em 27, que representam apenas cerca de 9% da população da UE,
tivessem bloqueado a negociação e diminuído significativamente o
montante de subvenções. Permitiu ainda que dois estados em 27, Hungria e
Polónia, em situação de violação do estado de direito, tivessem também
conseguido influenciar os resultados, embora ainda não esteja fechado o
debate da condicionalidade do estado de direito para aplicação dos
fundos.
A regra da unanimidade leva assim ao recurso da velha técnica “do
dividir para reinar”, que felizmente esbarrou na solidez do eixo
franco-alemão. Se as democracias estatais estivessem dependentes de
unanimidade, paralisariam nas suas decisões. Sendo a UE um sistema
político em construção, quiçá culminando num modelo federal, se
quisermos, adota já a maioria qualificada para decidir em muitas áreas,
mas não ainda em todas, como neste caso. Trata-se, afinal, de uma
concessão de soberania à UE feita pelos Estados, como processo
voluntário, e assim também ele dependente das vicissitudes das
democracias nacionais. E é também esta idiossincrasia da UE que torna
este momento num dos históricos da integração!
* Licenciada em Jornalismo, mestre em História Contemporânea e doutora em Estudos Europeus
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24/07/20
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