04/06/2020

PEDRO FILIPE SOARES

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O fundo perdido?

Se falha na quantidade, a qualidade deste fundo também deixa muito a desejar. A Comissão Europeia propõe um plano dilatado no tempo, refém da burocracia de Bruxelas.

Fisga, pressão de ar ou bazuca. Esta foi a bitola com que António Costa escolheu medir a qualidade do Fundo de Recuperação (link is external) da economia europeia. Este plano, adiado reunião após reunião, viu a luz do dia em meados desta semana pela mão da Comissão Europeia. Só agora lhe podemos começar a tirar as medidas.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chamou ao fundo de recuperação o plano “Próxima Geração UE” (link is external). Não me perdendo na mesma medida que o nosso primeiro-ministro, interessa-me avaliar dois aspetos fundamentais do que foi apresentado: a quantidade e a qualidade deste plano.

A Comissão Europeia tentou confundir as pessoas anunciando um total de 2,4 biliões de euros para investimento. Mistura instrumentos financeiros, subvenções aos Estados e até o dinheiro que já tinha sido apresentado para o futuro Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (QFP). Não é nem sério nem realista, como se perceberá.

Os 2,4 biliões de euros dividem-se da seguinte forma: há uma fatia de 540 mil milhões que corresponde às medidas apresentadas pelo Eurogrupo (link is external) e que significarão mais dívida pública para os Estados que recorram a estes instrumentos; a fatia de leão representa o QFP e vale 1,1 biliões, merecendo uma nota no parágrafo seguinte; o remanescente são os 750 milhões de euros do plano “Próxima Geração UE” a que regressarei com alguma profundidade.

O QFP de 1,94 biliões de euros já tinha sido anunciado como insuficiente e uma derrota para Portugal. Disse António Costa que esta proposta “não é boa, não corresponde às necessidades da Europa” nem “àquilo que é a necessidade de preservar a política de coesão”. Significa que Portugal terá um corte superior a 2 mil milhões de euros face ao anterior quadro financeiro – que ficará para o futuro. A propaganda da Comissão Europeia é para vender gato por lebre e fazer passar uma proposta de QFP inaceitável, que desvia dinheiro das políticas de coesão para gastos militares e torna a União Europeia ainda mais desigual.

Já o plano “Próxima Geração UE” divide-se em dois mecanismos diferentes: 500 milhões de euros para subvenções diretas aos Estados, 250 milhões para empréstimos que irão pesar nas contas públicas de cada país. Para países como Portugal, com uma grande dívida pública, percebe-se que a única coisa em que podemos pensar é no montante para as subvenções. É o suficiente? Com o que podemos comprar os 500 milhões propostos? O fundo é um quarto do que tinha sido proposto pelo Parlamento Europeu, um terço da proposta espanhola apresentada há semanas e metade do que a Alemanha decidiu para si própria. Resposta sintética: fica muito aquém do necessário.

Se falha na quantidade, a qualidade deste fundo também deixa muito a desejar. Quando todos percebemos que esta é uma crise económica fulminante, que a resposta é urgente e tem de ser rápida, a Comissão Europeia propõe um plano dilatado no tempo, refém da burocracia de Bruxelas. A consequência desta escolha é perniciosa porque coloca os Estados entre o adiamento da injeção do dinheiro nas economias ou o endividamento nos mercados para posterior reembolso. Mais uma vez, países com dívidas públicas elevadas como é o caso de Portugal têm aqui um problema.

No entanto, há um aspeto nebuloso que torna tudo mais sinistro. Ainda falta esclarecer que condicionalidades acompanham os 500 milhões de euros. Depois de promessas e garantias de que não se repetiriam os erros do passado com programas de austeridade como aquele que a troika impôs a Portugal, a conversa agora passa por impor as “reformas” previstas no “semestre europeu”. Dizem que fecham a porta à austeridade mas ela parece espreitar pela janela, bem sabemos como há filhos e enteados nos braços de ferro com a Comissão Europeia.

Pelos perigos que existem, percebe-se a posição dos governos italiano ou espanhol, que não deram as negociações por fechadas. Menos compreensível é a alegre aceitação do Governo português. A política dos “bons alunos” foi um desastre para o país, será que não aprenderam com os erros.

 IN "PÚBLICO"
29/05/20

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