02/04/2020

MANUELA NIZA RIBEIRO

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Igualmente desiguais: 
Pausa na Covid-19 por repugnância

Talvez hoje já pudessemos responder a Kissinger, sobre a quem ligar quando quisesse falar com a Europa: “Ligue ao António. Ao Costa“.

Está à vista que a pandemia, tal como outra guerra convencional, traz à tona o melhor e o pior de qualquer ser humano. E quem diz ser humano, diz aldeia, cidade, região, país.

Senti um enorme orgulho pela firmeza do nosso primeiro-ministro. Bem sei que a frase lhe saiu das entranhas, que “lhe saltou a tampa”, mas neste momento há que ter entranhas fortes e voz que não se doa, nem coluna que fique menos que vertical.

Foi repugnante, sim. Duplamente nojento para ser ainda mais assertiva, numa altura em que morrem, MORREM, pessoas, não por razões de más políticas ou por desleixo, mas por algo que nenhum país podia prever, nenhuma nação sabe como combater nem nenhuma (por mais rica que seja) está preparada para enfrentar, com os meios necessários, um inimigo que desconhece.

Esta pandemia vem demonstrar o que muitos de nós vínhamos dizendo: a União Europeia não existe! Existe uma união monetária e um mercado único. Mas isso não é o suficiente para construir  um projeto de união.

A Comunidade Europeia foi fundada com um objetivo muito claro: manter a paz na Europa. Ora a paz pressupõe solidariedade, fraternidade. Claro que também um mercado forte, capaz de se impor internacionalmente. Mas foi na solidariedade que todo o projeto se baseou, na entreajuda entre nações que, embora não partilhando a mesma língua e uma história de conflitos, se propunham a criar algo completamente novo.

Ficámos muito aquém e ativémo-nos apenas aos mercados, ao mercantilismo económico, ao vil metal.

A UE não existe e não existe porque nunca definiu um modelo político para a sua existência. Não possui uma política externa comum. Tudo são diretivas que os países podem ou não seguir, baseando-se no princípio da soberania nacional, que dá jeito invocar quando não dá jeito nenhum aceitar medidas comuns. Foi assim no conflito da ex-Jugoslávia (estão recordados? Não foi assim há tanto tempo e morreram milhares de pessoas, aqui mesmo, nesta Europa que tinha concordado em não mais fazer a guerra), está a ser assim na gestão da crise migratória. Fala-se num projeto de asilo europeu. Fala-se, mas ninguém tem a coragem de o impor. Porque é disso que se trata!

Note-se: quem me conhece ao vivo e a cores, sabe que sou do mais liberal e socialista, mas uma estrutura social não se mantém apenas com diretivas, mesmo que estas sejam seguidas de sanções. Há que ter pulso forte e coração grande. Faltam ambos, a esta Europa. Aplica-se-lhe o velho ditado português: forte com os fracos e fraco com os fortes.

A União não pode existir, pois, sem esta política externa comum, sem um sistema financeiro comum, que vai muito além duma união monetária, e sem um sistema de defesa próprio.

Ou seja, a UE só existirá quando houver um governo europeu. Mas a sério, que funcione, que acabe com os burocratas de terça a quinta, em Bruxelas (com honrosas exceções, algumas delas portuguesas).

Trata-se de encontrar o modelo e de o colocar em prática, sob pena de continuar a haver uma Europa a várias velocidades.

Teremos, naturalmente, de nos questionar sobre a razão de ser desta imagem que os países do Sul têm junto da Europa do Norte. Há meas culpas a fazer, sejamos muito francos, mas elas são de parte a parte, e este não é de todo o momento para essa reflexão.

Depois desta pandemia, nada será igual e nalguns casos ainda bem.

Mas talvez hoje já pudessemos responder a Kissinger, sobre a quem ligar quando quisesse falar com a Europa: “Ligue ao António. Ao Costa.“

IN "VISÃO"
01/04/20

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