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Igualmente desiguais:
Pausa na Covid-19 por repugnância
Talvez hoje já pudessemos responder a Kissinger, sobre a quem ligar
quando quisesse falar com a Europa: “Ligue ao António. Ao Costa“.
Está à vista que a pandemia, tal como outra guerra convencional, traz
à tona o melhor e o pior de qualquer ser humano. E quem diz ser humano,
diz aldeia, cidade, região, país.
Senti um enorme orgulho pela firmeza do nosso
primeiro-ministro. Bem sei que a frase lhe saiu das entranhas, que “lhe
saltou a tampa”, mas neste momento há que ter entranhas fortes e voz que
não se doa, nem coluna que fique menos que vertical.
Foi repugnante, sim. Duplamente nojento para ser ainda mais
assertiva, numa altura em que morrem, MORREM, pessoas, não por razões de
más políticas ou por desleixo, mas por algo que nenhum país podia
prever, nenhuma nação sabe como combater nem nenhuma (por mais rica que
seja) está preparada para enfrentar, com os meios necessários, um
inimigo que desconhece.
Esta pandemia vem demonstrar o que muitos de nós vínhamos dizendo: a
União Europeia não existe! Existe uma união monetária e um mercado
único. Mas isso não é o suficiente para construir um projeto de união.
A Comunidade Europeia foi fundada com um objetivo muito claro: manter
a paz na Europa. Ora a paz pressupõe solidariedade, fraternidade. Claro
que também um mercado forte, capaz de se impor internacionalmente. Mas
foi na solidariedade que todo o projeto se baseou, na entreajuda entre
nações que, embora não partilhando a mesma língua e uma história de
conflitos, se propunham a criar algo completamente novo.
Ficámos muito
aquém e ativémo-nos apenas aos mercados, ao mercantilismo económico, ao vil
metal.
A UE não existe e não existe porque nunca definiu um modelo político
para a sua existência. Não possui uma política externa comum. Tudo são
diretivas que os países podem ou não seguir, baseando-se no princípio da
soberania nacional, que dá jeito invocar quando não dá jeito nenhum
aceitar medidas comuns. Foi assim no conflito da ex-Jugoslávia (estão
recordados? Não foi assim há tanto tempo e morreram milhares de pessoas,
aqui mesmo, nesta Europa que tinha concordado em não mais fazer a
guerra), está a ser assim na gestão da crise migratória. Fala-se num
projeto de asilo europeu. Fala-se, mas ninguém tem a coragem de o impor.
Porque é disso que se trata!
Note-se: quem me conhece ao vivo e a cores, sabe que sou do mais
liberal e socialista, mas uma estrutura social não se mantém apenas com
diretivas, mesmo que estas sejam seguidas de sanções. Há que ter pulso
forte e coração grande. Faltam ambos, a esta Europa. Aplica-se-lhe o
velho ditado português: forte com os fracos e fraco com os fortes.
A União não pode existir, pois, sem esta política externa comum, sem
um sistema financeiro comum, que vai muito além duma união monetária, e
sem um sistema de defesa próprio.
Ou seja, a UE só existirá quando houver um governo europeu. Mas a
sério, que funcione, que acabe com os burocratas de terça a quinta, em
Bruxelas (com honrosas exceções, algumas delas portuguesas).
Trata-se de
encontrar o modelo e de o colocar em prática, sob pena de continuar a haver uma
Europa a várias velocidades.
Teremos, naturalmente, de nos questionar sobre a razão de ser desta
imagem que os países do Sul têm junto da Europa do Norte. Há meas culpas a fazer, sejamos muito francos, mas elas são de parte a parte, e este não é de todo o momento para essa reflexão.
Depois desta pandemia, nada será igual e nalguns casos ainda bem.
Mas talvez hoje já pudessemos responder a Kissinger, sobre a quem
ligar quando quisesse falar com a Europa: “Ligue ao António. Ao Costa.“
IN "VISÃO"
01/04/20
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