.
IN "PÚBLICO"
02/03/20
.
Ventura, Chicão e
a velha “nova direita”
Estou do lado dos e das que entendem que, com menos nervosismo, a nova extrema-direita pode continuar a ser residual, mas à esquerda é bom que se perceba o que é velho e o que é novo e o que é “combate” e “guerra” nesta agenda ideológica.
Eles afirmam-se da “nova direita”, disputam o mesmo espaço e
assemelham-se a tantos outros líderes de extrema-direita populista. São
frutos dos dias, da trumpização da política, do populismo e do poder das
redes sociais, mas a “nova direita” de Ventura e Chicão está cheia de
ideias tiradas do baú da “nouvelle droite” à portuguesa de finais dos anos 70 e dos anos 80.
A “nova direita” daqueles tempos, influenciada por Alain de Benoist e
com forte audiência na extrema-direita, foi, por cá, protagonizada,
entre outros, por Diogo Pacheco de Amorim e Jaime Nogueira Pinto,
defensores da “guerra cultural antimarxista”. Percebe-se que o segundo
exulte, hoje, por ter encontrado as duas “caras” para a “guerra
cultural” contra a “esquerda dominante” há meio século: Francisco
Rodrigues dos Santos e André Ventura (Jaime Nogueira Pinto, Observador, “Sinais do Tempo”, 31 de janeiro (link is external)).
A “guerra cultural”, reciclada 40 anos depois, permanece um
instrumento para o Chega e o CDS de Chicão ajustarem contas com o 25 de
Abril e sustentarem a revisão da História. Para isso, quer o programa de
um quer a moção ao congresso de outro recuperam o complô do passado: o
“domínio da esquerda” na cultura, na academia, na comunicação social…
Comparando o que é diferente em contexto e natureza, na moção “Voltar a Acreditar” (link is external) (que indicarei como MVA) e no “Programa Político Chega, 2019” (link is external) (PPCh) assinalam-se algumas das velhas orientações desta “nova direita”.
Combater a esquerda para responder à “emergência patriótica” perante a
“quadrilha de esquerda que assaltou o sistema parlamentar” e combater o
“domínio da esquerda na Cultura” (MVA). Para o Chega, a guerra cultural
em curso é o combate à “ditadura do pensamento único igualitário em
prejuízo da liberdade”, uma vez que “a loucura marxista não desarma”
(PPCh) e o “marxismo-gramsciano” está em todo o lado, nas Artes, nas
Letras, na Academia, nos meios de comunicação de massas.
Combater a igualdade, uma das mais fortes obsessões da Nova Direita
dos anos 80, com a “batalha científica” pela prova da diferença, da
hierarquia, do território, da unidade orgânica contra o igualitarismo,
está intacta no programa do Chega. Com a rejeição da igualdade e a
promoção da “diferença”, à luz de uma visão neopositivista das ciências
sociais, tanto se justifica a condenação do Estado “igualizador” como a
defesa da igualdade em dignidade “como a “única igualdade desejável para
a nova direita”, sendo este eixo necessário para a avaliação do combate
à “ideologia de género” e aos direitos LGBT.
Rever a História, contra a esquerda que impôs o “arrependimento
coletivo” e para a qual a História e a Cultura são “intrinsecamente
más”, fazendo “justiça à missão evangelizadora que Portugal preconizou
no passado”, pois a “portugalidade não é um anacronismo” (MVA). Sendo
certo que o Chega vai mais longe no ajuste de contas com a Revolução e a
Constituição, propondo a IV República, registe-se que ambos investem na
criação do Museu das Descobertas, na defesa da identidade nacional e do
ensino de uma História de Portugal purgada do “revisionismo” da
esquerda.
Recolocar a centralidade da família e reduzir o Estado, pois a
família é “instância primária de poder” e exige a criação do Ministério
da Família (PPCh), ou é “célula básica” da sociedade, para o “partido da
família” (MVA). Ambos propõem libertar o cidadão do Estado,
nomeadamente através da redução dos impostos, se bem que o Estado
essencialmente “regulador” da moção de Chicão não é exatamente o mesmo
que o “Estado arbitral” e a destruição do Estado Social do Chega. Este
convoca os economistas do neoliberalismo, Hayek e Von Mises, e tanto
propõe o fim do Ministério da Educação como sustenta que o Estado “não é
prestador de bens e serviços no Mercado da Saúde”.
Quanto à economia e ao mundo, não há nada que o neoliberalismo não
enquadre, que o mercado não resolva, e que a NATO e os EUA não alumiem,
nada que os afaste do que a velha-nova direita defendeu há 40 anos. É
certo que o programa do Chega refresca, nomeadamente com o fim do Pacto
das Migrações da ONU e com o ataque a migrantes e refugiados, espólio da
nova extrema-direita populista que deu palco a uma gigantesca campanha
de desinformação nas redes sociais.
Depois do 25 de Abril, esta tralha ideológica deixou-os nos fundos da
arrecadação da direita institucional, obrigados a engolir o sapo da
integração nos partidos do sistema (PSD e CDS), ou a sobreviverem como
opinantes e ideólogos de experiências fracassadas. Estou do lado dos e
das que entendem que, com menos nervosismo, a nova extrema-direita pode
continuar a ser residual, mas à esquerda é bom que se perceba o que é
velho e o que é novo e o que é “combate” e “guerra” nesta agenda
ideológica.
IN "PÚBLICO"
02/03/20
.
Sem comentários:
Enviar um comentário