17/02/2020

VALTER HUGO MÃE

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Violência no namoro

São demolidores os dados apresentados na sexta-feira pela UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) acerca da violência no namoro. 67% dos jovens que inquiriram consideram normal que suceda, e cerca de 58% afirmam já ter sido vítima. Claro que vamos continuar a especular acerca da economia mas, de alguma maneira, se não cuidarmos disto não há muita razão para mais nada. Toleramos uma patológica versão da sociedade: a desumana.

Uma vez já é demasiado. Urge trabalhar a autoestima dos jovens para que saibam que uma vez já é demasiado. Sem prepotências nem melindres, a autoestima tem de ser sobretudo lucidez em relação ao que se espera de uma companhia. Como é possível que saiam os jovens de casa sem recomendação fundamental de cuidado, não entendo. Ainda acredito que nos possamos reconhecer como uma vasta multidão de brio que julga educar para o respeito, conhecimento e cultura. Se isso acabou e os jovens estão a ser criados para se digladiarem até à miséria, então já não entendo nada.

O estabelecimento de uma relação afetiva é a assunção de uma circunscrição de paz. Mais do que afirmar o amor, a relação tem de ser um acordo de paz. Porque as paixões mudam, a vida atribui cansaço e magoa de qualquer jeito. O que justifica o par e o que glorifica a família é a sua tácita valentia contra agressões externas, como se o afeto pudesse aludir a uma barreira erguida para defesa. 
Não pode ser uma barreira para confinar os que amam à agressão. Essa é a perversão absoluta do seu propósito.

Não basta que o Estado lance campanhas de sensibilização para esta desgraça. É preciso que nos mobilizemos em todos os gestos, em todas as conversas, para mudar os discursos embrutecidos que convencem que a cidadania hoje é ressabiamento e retaliação. É preciso que em todas as situações nos coloquemos como essa multidão de brio, sem prepotência nem melindres, apenas a lucidez de que isto valerá a pena se continuarmos a ser um projeto verdadeiramente humano. Senão, vale mais que permitamos o regresso das matas densas e dos bandos de pássaros que usam as estações.

Quando falo com alunos em escolas que visito sempre insisto na ideia de que me parecem bravos os que elogiam. Covardes são os que menorizam os outros. De facto, poucos são os que, de imediato, conseguem escolher um colega para assumir admiração e respeito. É pior do que triste. É a pessoa a crescer ao contrário. Só se explica se vierem de casa com o mesmo padrão de ataque e incapacidade para a declaração de um franco, límpido, afeto.

* Escritor

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
16/02/20

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