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"JORNAL DE NOTÍCIAS"
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São Tomé processa investigadora por estudo sobre consumo de álcool
Investigação
revela dados "preocupantes" sobre consumo de álcool entre grávidas e
crianças com idade escolar e autora alerta para inação do Estado.
Governo diz que é "mentira".
O
Governo de São Tomé e Príncipe anunciou, esta terça-feira, que vai
apresentar uma queixa-crime contra uma investigadora portuguesa que
publicou um estudo revelando o consumo de álcool por crianças e grávidas
e denunciando a inação do Estado e o apoio à importação de produtos
alcoólicos enquanto taxa o leite.
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O
trabalho de Isabel de Santiago, investigadora da Faculdade de Medicina
da Universidade de Lisboa (FMUL), é uma "autêntica e vergonhosa
mentira", que causa "danos irreparáveis à imagem do país", lê-se num
comunicado divulgado pelo porta-voz do executivo, Adelino Lucas. Além de
denunciar "comportamentos de pessoas com interesses inconfessáveis
políticos", diz que a investigação "cai em saco roto quando os dados
estatísticos referem que nunca se importou e se tem vindo a consumir
tanto leite e refrigerantes como nos últimos tempos". O executivo não
sustenta, porém, estes dados.
Álcoois caseiros
O
problema do alcoolismo em São Tomé não será de agora. Quando chegou ao
arquipélago, há 26 anos, Manuel António, hoje bispo da diocese de São
Tomé e Príncipe, encontrou um país com "uma forte tradição de consumo de
álcool" transversal a todas as classes sociais e faixas etárias.
"Infelizmente, este problema sempre existiu", lamenta.
O
estudo da investigadora da FMUL, incidindo sobre o consumo de álcool e
drogas em meio escolar em São Tomé, e divulgado há poucos dias, mostra
que o problema é hoje "bem mais preocupante". Até porque "nada está a
ser feito para o impedir", critica Isabel de Santiago.
A investigação mostra que muitas mulheres
bebem durante a gravidez e várias crianças nascem com síndrome alcoólico
fetal. Nos próximos 25 anos, antevê, "metade dos jovens pode morrer com
cirroses e cancro do fígado".
Outra das conclusões é que a importação de vinho é "600% superior à do leite"
e que há crianças a beberem cacharamba (aguardente de cana), em vez de
água ou leite, antes de irem para a escola como forma de desparasitrem
os intestinos. "Há uma enorme desnutrição, é um problema sério de saúde
pública", lamenta.
O álcool é mesmo o
principal produto importado pelo país, segundo o guia do investidor de
São Tomé, que não contabiliza "os álcoois tradicionais que são
produzidos por pessoas nas comunidades e vendidos de forma ilícita",
alerta ainda Isabel de Santiago. "Nada disto é controlado pelas
autoridades de saúde pública, levando a que as crianças e jovens
consumam de forma mais excessiva".
São Tomé também importa muito açúcar, "mas a maior parte é transformado
pelos produtores de aguardente em álcool, altamente nocivo para a
saúde", explica a também professora na FMUL. Análises feitas pelo
Laboratório Nacional de Engenharia Civil a amostras de álcoois,
recolhidas durante os meses de observação junto dos produtores
artesanais, concluíram que "são produzidos sem controlo sanitário e
alguns além do teor elevadíssimo de álcool etílico contêm metais pesados", diz ainda.
Perante a reação do executivo, Isabel de Santiago garante ser uma
tentativa de "esconder um problema muito grave". "Não vale a pena
tentarem abafar, as conclusões são baseadas em evidência científica.
Este Estado está a matar o povo. É um estudo que incomoda muita gente,
mas não vou desistir", promete, argumentando que o país tem incentivado o
consumo de álcool com a tomada de decisões políticas como "a redução da taxa de importação do álcool e a cobrança de taxas de desalfandegamento pelo leite doado pelo banco de leite de Frei Fernando Ventura para crianças carenciadas". "É desumano e é um crime", acusa.
"Um problema de saúde pública" com décadas
O
fenómeno acontece há vários anos, mas ainda não tinha sido estudado a
fundo. Só em 2013, juntamente com outros professores e especialistas, a
investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL)
fez um inquérito nas ilhas de São Tomé e Príncipe sobre o consumo de
álcool e drogas em meio escolar. Na altura, o atual primeiro-ministro
são-tomense, Jorge Bom Jesus, era Ministro da Educação, e autorizou a
realização da investigação.
Segundo um
documento a que o JN teve acesso, Jorge Bom Jesus não só permitiu o
avanço do estudo, como disse que "acolhia com muito interesse" este
projeto da Universidade de Lisboa. "Considerando o alerta e notícias que
indicam consumos de substâncias nocivas (lícitas e ilícitas) neste
país, as medidas de prevenção em meio escolar são cada vez mais
necessárias", escrevia na altura.
Um
membro do anterior executivo, Roberto Raposo, que também deu luz verde
ao estudo da Universidade de Medicina de Lisboa, ouvido pelo JN,
confirma que os dados são preocupantes e que têm de ser tomadas medidas
de prevenção, "que não estão a ser tomadas". "A incidência de álcool na
população são-tomense é um problema grave de saúde pública há muito
tempo", denuncia o ex-ministro da Justiça.
O bispo da diocese de São Tomé e Príncipe
explica que o consumo de álcool em São Tomé é mesmo "uma questão
cultural", muito ligada à afirmação de poder nas classes sociais mais
altas. Já as classes mais baixas "consomem álcool de pior qualidade, que
acaba por ter efeitos mais nefastos, principalmente nas crianças",
lamenta. "A pobreza em que as pessoas vivem também não ajuda. Não têm
esperança no futuro e, muitas vezes, o álcool também serve para
esquecer", sublinha ainda.
Manuel
António diz que já foram realizadas algumas campanhas de sensibilização,
nomeadamente pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) que
"têm tido algum eco". "Já há alguma consciência de que dar álcool às
crianças é algo mau. Mas tem de se fazer muito mais, temos de encontrar
outros meios para lutar contra o problema", reconhece. "Uma novidade
deste estudo é a composição do álcool, com substâncias tóxicas e metais
pesados, que estará a ser consumido pelos mais pobres. Ainda não havia
estudos sobre isso e preocupa-me muito", admite ainda.
* A corrupção não anda de mão dada com a ciência!
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