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* Docente da Católica Porto Business School
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
06/01/2020
Media e liberdade:
quem tem o poder para
influenciar as notícias?
De um ponto de vista de cidadania, seria útil haver mais informação sobre a vulnerabilidade dos media ao poder económico, designadamente ao poder dos anunciantes.
No final de
2019, decorreu em Cascais uma conferência sobre o financiamento dos
media, organizada pelo Sindicato dos Jornalistas. Na altura, foram
publicadas diversas notícias sobre o evento, onde uma questão se
destacou: deve ou não o Estado financiar diretamente os órgãos de
comunicação social?
Esta é uma questão de grande relevância, na
medida em que, como as mesmas notícias salientaram, uma informação
plural, independente e livre é essencial ao debate informado que é
pressuposto do funcionamento da democracia. Todavia, ao centrar a
questão do financiamento dos media no risco de interferência política
nas notícias e, portanto, na liberdade face ao poder político, fica na
sombra (intencionalmente ou não) uma questão igualmente importante: E a
liberdade dos media face a outros poderes, nomeadamente o poder
económico?
A liberdade dos media face ao poder económico pode ser
analisada pelo prisma da propriedade e gestão das empresas de
comunicação social. É para assegurar o controlo dos ‘donos’ dos media
que é obrigatório, por exemplo, efetuar o registo dos órgãos de
comunicação social junto da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação
Social); publicar a ficha técnica; elaborar, sujeitar a parecer do
conselho de redação e tornar acessível ao público o estatuto editorial
dos jornais e revistas (em papel e online); sujeitar as operações de
concentração de empresas de comunicação social ao parecer da ERC e à
autorização da Autoridade da Concorrência; e submeter à ERC o relatório
do governo societário das empresas de media que tenham a forma de
sociedade comercial.
Todavia, os ‘donos’ dos media não são apenas
os que participam no capital das empresas. Eles são também os que,
através do investimento em publicidade, têm o poder de controlar os
meios financeiros ao dispor das empresas, investindo mais, por exemplo,
naquelas cujas publicações os apresentam a uma luz mais favorável. Foi
precisamente o reconhecimento deste potencial de interferência dos
anunciantes nas decisões empresariais e editoriais das empresas de media
que esteve na origem da chamada ‘lei da transparência da propriedade’
(Lei nº 78/2015, de 29 de Julho).
Uma das novidades introduzidas
por esta lei é a que diz respeito à transparência da informação relativa
aos principais fluxos financeiros das empresas de comunicação social. A
lei impõe a estas empresas, no seu artigo 5º, a obrigação de
comunicarem à ERC a informação relativa aos principais fluxos
financeiros para a sua gestão, a qual deve incluir a relação das pessoas
individuais ou coletivas que tenham, por qualquer meio, individualmente
contribuído em, pelo menos, mais de 10 % para os rendimentos apurados
nas contas, ou que sejam titulares de créditos suscetíveis de lhes
atribuir uma influência relevante sobre a empresa. A mesma lei cometeu à
ERC a aprovação de um regulamento que fixasse a periodicidade desta
obrigação de informação e a natureza dos dados a transmitir à entidade
reguladora.
O regulamento aprovado pela ERC (Regulamento nº
348/2016, de 1 de Abril), em vigor desde 2 de Abril de 2016, detalha não
só os indicadores financeiros e a informação quanto aos financiadores
com peso superior a 10% que as empresas de media têm de comunicar à ERC,
mas também a informação quanto às estruturas e práticas de governo das
empresas, incluindo os mecanismos de controlo interno. Trata-se de um
regulamento exigente para as empresas, quer do ponto de vista da
informação a produzir e comunicar, quer do ponto de vista da apreciação
do que pretendem ou não divulgar, uma vez que o regulamento prevê
exceções à disponibilização pública da informação.
Para facilitar o
cumprimento da obrigação de informação, a ERC desenvolveu uma
plataforma digital – a Plataforma Digital da Transparência – através da
qual as empresas comunicam as informações legalmente exigidas. A
informação depositada nesta plataforma permite à ERC disponibilizar ao
público o Portal da Transparência,
que colige informação muito útil sobre as entidades que prosseguem
atividades de comunicação social sob jurisdição do Estado português, em
especial sobre a sua propriedade, gestão, atividade e desempenho
económico-financeiro.
Ainda assim, nota-se escassez de informação
sobre os fluxos financeiros e o grau de dependência das entidades de
comunicação social quanto a anunciantes determinados, não sendo claro se
tal se deve ao sigilo da informação (ainda que esta tenha sido
comunicada pelas empresas de media à ERC), ou à ausência de comunicação
desta informação por parte das empresas. De um ponto de vista de
cidadania, seria útil haver mais informação sobre a vulnerabilidade dos
media ao poder económico, designadamente ao poder dos anunciantes.
O
debate sobre o financiamento dos media não pode centrar-se
exclusivamente no risco de interferência do poder político nas notícias,
sob pena de ignorar, como lhes chamou Pedro Norton em artigo recente
(Público, 7/12/2019), outras fontes de “relações de dependência
perversas”.
* Docente da Católica Porto Business School
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
06/01/2020
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