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* Deputada do Bloco de Esquerda
IN "i"
28/11/19
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Chumbar ou não chumbar?
O processo é pedagógico, dirá o PSD. Mas di-lo
apenas por conservadora convicção, a mesma que não há muito tempo
atestaria os efeitos positivos das reguadas.
Reduzir problemas complexos a slogans de propaganda
pode conduzir a argumentos absurdos e enredar os seus autores em becos
argumentativos sem saída. Veja-se a recente polémica sobre os elevados
níveis de retenção em Portugal e a leviandade com que o PSD arruma
qualquer debate sobre o assunto com o rótulo do facilitismo.
De acordo com o PSD, “um aluno que não sabe deve chumbar”. Nada
aparentemente mais simples. Mas quando se pergunta ao PSD se considera
que Portugal tem os alunos mais “burros” da Europa para justificar uma
das taxas de retenção mais altas da Europa, o PSD fica sem resposta.
Começa a desmontar-se toda a contrafação que existe por detrás da
narrativa do facilitismo. Todos os estudos nacionais e internacionais
nos dizem que “Portugal é dos poucos países membros da OCDE onde se tem
observado uma tendência de melhoria contínua nos resultados”. Estudos
internacionais como o PISA, cujos resultados são sempre saudados pelo
PSD, têm feito prova desta melhoria em todos os domínios.
Então, porque chumbam os alunos em Portugal? “Porque não sabem”,
insistirá a direita, contra todas as evidências. Associar altos níveis
de retenção à exigência do sistema de ensino é uma lógica sem saída,
porque nos levaria à conclusão de que quantos mais alunos chumbarem,
melhor funciona a educação.
Repare-se que, pelo caminho, o PSD já largou as aprendizagens como o
centro das políticas educativas. A exigência passa a ser sinónimo de
seleção, escolher quem avança e quem fica para trás. Ao aluno que “não
sabe” resta-lhe repetir o ano, e ao sistema resta-lhe repetir o erro que
cometeu com aquele aluno.
O processo é pedagógico, dirá o PSD. Mas di-lo apenas por
conservadora convicção, a mesma que não há muito tempo atestaria os
efeitos positivos das reguadas. Na realidade, aquela que é atestada pela
ciência, os alunos que são retidos têm muito maior probabilidade de
ficarem retidos mais vezes, de terem piores resultados escolares, e têm
um risco muito mais elevado de abandono escolar precoce.
Como refere o estudo do Conselho Nacional da Educação sobre o “Estado
da Educação 2018”, “pesando como um ‘cadastro’, a reprovação precoce é
um marcador social do estatuto depreciado destes alunos nas hierarquias
escolares, contribuindo para a sua marginalização progressiva quanto ao
tipo de ‘lugares’ para os quais vão sendo canalizados dentro do sistema
escolar. (...) A investigação sobre o abandono precoce tem vindo a
colocar em evidência a fortíssima relação com a retenção e o insucesso,
remetendo para uma conceção de abandono precoce enquanto processo
cumulativo e progressivo de rutura com a escola. O abandono escolar é,
na verdade, não só feito de ‘abandonantes’ e ‘abandonados’, de
afastamento dos jovens, mas também de desinvestimento da escola na sua
integração”.
Chumbar um aluno é fácil. Mas não tenhamos dúvidas do que isso
significa: desistir dele. O mais difícil é encontrar estratégias de
sucesso educativo para todos os alunos de forma que a retenção seja um
recurso residual aplicável apenas aos pouquíssimos casos em que possa
ter resultados positivos, e não como panaceia geral com efeitos
contraproducentes.
Porque se chumba tanto em Portugal? Porque o verdadeiro facilitismo
reside numa cultura de retenção que liberta o sistema da difícil tarefa
de elevar os alunos mais desafiantes. Essa conclusão é repetida há anos
pelo CNE, desde os tempos em que David Justino era presidente. É também
um alerta constante de todas as instituições internacionais, incluindo a
OCDE e a Comissão Europeia (Eurydice), para quem “não basta a alteração
da legislação em matéria de retenção para mudar esta convicção, que
deve ser suplantada por uma abordagem alternativa para responder às
dificuldades de aprendizagem dos alunos”.
Mas então porque insiste o PSD em defender a cultura de retenção
escolar? Talvez para alimentar uma ideia simplista que reduz um processo
complexo a um slogan. Tragicamente, esse facilitismo populista assenta
numa outra ideia, ainda mais perversa: o obscurantismo, a prática de
deliberadamente restringir o acesso do povo ao conhecimento.
* Deputada do Bloco de Esquerda
IN "i"
28/11/19
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