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HOJE NO
"OBSERVADOR"
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Tribunal reconhece idoneidade financeira
.a gerente com cadastro por seis crimes
.a gerente com cadastro por seis crimes
de abuso de confiança fiscal
Tribunal quer obrigar Banco de Portugal a dar idoneidade a gerente condenado por abuso de confiança fiscal entre 2015 e 2017. Gestor financeiro não pode ficar "impedido para sempre", diz juíza.
Uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
pode vir a revolucionar a atividade de supervisão prudencial do Banco de
Portugal. Está em causa uma decisão judicial que obriga o Banco de
Portugal a reconhecer idoneidade a um intermediário financeiro de uma
pequena loja de electrodomésticos mesmo depois de ter ficado provado que
o gestor foi condenado judicialmente por seis crimes de abuso de
confiança contra a administração fiscal e contra a Segurança Social
praticados entre 2015 e 2017.
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O tribunal reconheceu o trânsito em julgado das condenações, logo o cadastro criminal, mas alega que “não
se pode admitir que a mera condenação marque de tal modo a vida
económica de uma entidade que esta fique impedida para sempre”, dando assim cobertura à atenuante invocada pelo gestor de que os crimes foram praticados durante um “período em que houve uma grave crise económica”,
lê-se na sentença judicial de 20 de outubro de 2019 assinada pela juíza
Telma Silva. O Banco de Portugal já recorreu desta decisão para o
Tribunal Central Administrativo Norte.
A instituição liderada por Carlos Costa, seguindo a lei nacional e as
práticas do Banco Central Europeu, tem aplicado critérios restritivos
na atribuição (ou na retirada) da idoneidade a banqueiros, bem como a
intermediários financeiros, que sejam suspeitos ou estejam indiciados de
crimes económico-financeiros. Por exemplo, Ricardo Salgado,
ex-presidente executivo do BES, bem como outros ex-administradores do
Grupo Espírito Santo, perderam a idoneidade para o exercício de funções
em instituições de crédito antes de o próprio Banco de Portugal os
condenar em três processos de contra-ordenação por violação do Regime
Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras.
No caso específico de Ricardo Salgado, a perda de idoneidade
verificou-se em 2014 e antes de Salgado ter sido constituído arguido nos
processos criminais da Operação Marquês, Universo Espírito Santo e caso
EDP.
O caso do gerente da loja dos electrodomésticos
José Domingues Araújo é sócio-gerente de uma loja de
electrodomésticos em Braga chamada Vila Electrodomésticos. Como a sua
empresa vendia igualmente serviços aos seus clientes para financiar a
compra de electrodomésticos, Araújo necessitava da autorização do Banco
de Portugal para exercer essa atividade como intermediário de crédito,
tendo iniciado o processo junto do supervisor da banca no dia 4 de julho
de 2018.
Analisado o certificado de registo criminal que todos os
‘candidatos’ ao registo no Banco de Portugal são obrigados a entregar,
os técnicos do Departamento de Supervisão constataram que José Domingues
de Araújo tinha o seguinte cadastro:
- Condenado em abril de 2015 pela “prática de um crime de abuso de confiança fiscal com pena de prisão suspensa de dois anos”;
- Condenado em julho de 2015 pela “prática de um crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social ao cumprimento de pena de 180 dias de multa à taxa diária de 10 euros”;
- Condenado em outubro de 2015 pela “prática de um crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social ao cumprimento de pena de 180 dias de multa à taxa diária de 10 euros”;
- Condenado em maio de 2016 pela “prática de um crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social ao cumprimento de pena de 180 dias de multa à taxa diária de 10 euros”;
- Condenado em maio de 2017 pela “prática de um crime de abuso de confiança fiscal ao cumprimento de pena de 180 dias de multa à taxa diária de 10 euros”;
- Condenado em junho de 2017 pela “prática de um crime de abuso de confiança fiscal com pena de prisão suspensa de dois anos”;
Regra geral, o crime de abuso de confiança fiscal e contra a Segurança
Social significa que o gerente da sociedade apropriou-se indevidamente
de dinheiro da retenção na fonte ou de contribuições para a Segurança
Social feitas pelos seus trabalhadores. Na sentença do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Braga não está claro qual é o valor total
retido entre 2015 e 2017 mas este crime de abuso de confiança só se
consuma quando o valor retido supera os 7.500 euros.
Com base neste registo criminal, os técnicos do Banco de Portugal concluíram que José Domingues Araújo não tinha “reconhecida idoneidade”
para exercer a atividade de intermediário de crédito, daí a recusa de
autorização que foi dada à sociedade Vila Electrodomésticos gerida por
Domingues Araújo. A decisão final foi-lhe comunicada a 9 de janeiro de
2019.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades
Financeiras impõe ao Banco de Portugal que tenha em conta que “a
acusação, pronúncia ou condenação em Portugal ou no estrangeiro” por
diversos ilícitos criminais, entre os quais “crimes fiscais”. E porquê?
Porque o supervisor da banca está obrigado a avaliar de forma preventiva
as “garantias que a pessoa em causa oferece” para “uma gestão sã e prudente” de uma instituição de crédito ou financeira,
tendo em vista, de modo particular, a segurança dos fundos confiados à
instituição”, fazendo um juízo sobre o passado e uma previsão sobre o
comportamento futuro, como estipula a lei. Neste contexto, eventuais
condenações criminais têm obviamente relevância.
A lei determina
ainda que uma condenação com trânsito em julgado não obriga
automaticamente à perda da idoneidade, devendo o Banco de Portugal fazer
essa avaliação tendo em conta fatores como a relevância do ilícito para
a atividade financeira, assim como o carácter reiterado — o que se
verificou com Domingues Araújo. Isto é, na análise que o Banco de
Portugal faz em todos os processos de atribuição ou revisão de
idoneidade a existência de mais do que uma condenação é considerada como
muito relevante.
A defesa de Araújo
A sociedade Vila Electrodomésticos enquanto pessoa coletiva, e não
José Domingues Araújo, recorreu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de
Braga para impugnar e tentar anular a decisão do Banco de Portugal. Quer
junto dos técnicos do supervisor da banca, quer junto da juíza Telma
Silva, a quem foi distribuída a sua queixa no tribunal de Braga, o
gerente da loja de electrodomésticos alegou que não foram tidas em conta
“as circunstâncias que estiveram na origem dos processos crime” pelos
quais foi condenado Araújo.
E que circunstâncias eram estas? Desde
logo, o facto de os crimes de abuso fiscal e contra a Segurança Social
terem sido praticados por Domingos Araújo enquanto sócio-gerente de
outra sociedade: a Cidadela Electrónica, Lda.
Por outro lado, tais crimes deveram-se, segundo explicação dada ao Banco de Portugal a 7 de dezembro de 2018, “a dificuldade, logo a seguir à grave crise económica ocorrida,
em que a empresa teve a necessidade de recorrer a um Plano Especial de
Revitalização para assim conseguir acomodar os seus pagamentos aos
credores”, tendo sido igualmente salientado que “a empresa mantém o
pagamento dos acordos em dia”.
O que decidiu o tribunal
Recorrendo a um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de
maio de 2005 — acórdão este que analisa um enquadramento legal ao nível
do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras
muito diferente do atual —, a juíza Telma Silva acabou por dar razão
aos argumentos apresentados pela Vila Electrodomésticos.
“Não
obstante ter sido alegado pela Autora [Vila Electrodomésticos] que tais
crimes ocorreram, quanto a outra sociedade e num período em que houve
grave crise económica, o Réu [Banco de Portugal] entende que tal não era
suficiente para permitir concluir pela idoneidade” de José Domingues
Araújo.
Ora, de acordo com a juíza Telma Silva, “a mera
condenação por crimes fiscais não é adequada a justificar a recusa de
autorização para exercer actividade de intermediário de crédito.” E
porquê? Porque o Banco de Portugal não equacionou “as condenações com
as demais circunstâncias, como é devido.” Isto é, e tendo em conta os
argumentos utilizados pela sociedade de Domingues Araújo, não teve em
conta que os crimes ocorreram durante “uma grave crise económica”.
Além do mais, acrescenta a magistrada do Tribunal Administrativo e
Fiscal e de Braga, o Banco de Portugal deveria ter tido em consideração
que:
- “O que está em causa é o exercício de intermediário de crédito a partir de 2019”. Ou seja, o Banco de Portugal não pode ter em conta factos que ocorreram no passado — o que contraria não só a visão da lei, como também as regras do Banco Central Europeu;
- Em relação a 2019, diz a juíza, o Banco de Portugal nada imputa a José Domingues Araújo;
- “Os crimes estão circunscritos a um período de tempo preciso (2015, 2016 e 2017)”. Isto é, o último crime foi praticado cerca de dois anos antes da decisão do Banco de Portugal;
- “Era outra a sociedade que estava em causa [a Cidadela Electrónica, Lda] e a mesma viu aprovado um plano de revitalização”;
- E, finalmente, “nada vem demonstrado quanto à reiteração (por mais anos do que 2015 a 2017), nem quanto ao benefício que o sócio-gerente haja retirado dos crimes cometidos”.
Conclusão da juíza Telma Silva: “não se nega que a existência de
condenação por crimes fiscais é grave e deve ser devidamente ponderada
quando se trata de avaliar a conduta (idónea) de um agente”, mas a
magistrada considera que não é admissível que tal ponderação seja feita
exclusivamente por uma “mera condenação em processo crime por
abuso de confiança fiscal e contra a Segurança Social (ainda que em
número de seis) marque, de tal modo, a vida económica de uma entidade,
que esta fique impedida para sempre”.
Assim, a magistrada
decidiu anular o ato de recusa do Banco de Portugal em autorizar o
exercício de funções de José Domingues Araújo como intermediário de
crédito e reconheceu idoneidade à empresa Vila Electrodomésticos.
Quais sãos as consequências para o futuro?
O primeiro problema desta decisão, a qual já teve um recurso
apresentado pelo Banco de Portugal junto do Tribunal Central
Administrativo Norte, é que condena o Banco de Portugal a proceder ao
registo da Vila Electrodomésticos como “autorizada” para o exercício
como intermediário de crédito e a reconhecer a idoneidade da sociedade —
quando o que está em causa é a idoneidade de uma pessoa singular,
Domingues Araújo, sócio-gerente daquela sociedade.
Se o Tribunal
Central Administrativo Norte não tiver sucesso, o Banco de Portugal pode
vir a ter um problema sério pela frente. Em primeiro lugar, porque o
recurso para o Supremo Tribunal Administrativo pode ser rejeitado
liminarmente por a situação já ter sido apreciada em 2005 no acórdão que
é citado pela juíza Telma Silva.
Por outro lado, esse acórdão de
2005 do Supremo Tribunal Administrativo não tem em conta a grande
evolução legal e regulatória que se verificou no setor financeiro após a
crise financeira de 2008/2010. Muito por influência do Banco Central
Europeu e de diretivas da Comissão Europeia, a legislação portuguesa
passou a ter em conta a questão da análise preventiva das garantias que
os titulares de órgãos sociais de instituições de crédito e das
sociedades financeiras oferecem para uma gestão sã e prudente dos
capitais que gerem.
Por outro lado, a alteração de 2014 do Regime
Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras reforçou os
critérios da idoneidade, tornando a malha muito mais apertada e
permitindo ao Banco de Portugal agir como tem agido ao retirar ou não
atribuir idoneidade a várias dezenas de banqueiros e gestores de
sociedades financeiras.
É precisamente esta a questão: se outros
tribunais administrativos seguirem um entendimento semelhante ao da
juíza Telma Silva, tal poderá fazer com que, por exemplo,
administradores a quem fosse retirada a idoneidade pelo Banco de
Portugal, pudessem continuar em funções, já que a decisão do supervisor
seria anulada
Um exemplo prático: se Ricardo Salgado tivesse tido
uma decisão semelhante à de José Domingues Araújo — e o ex-presidente
executivo do BES também argumentou que as dificuldades da crise
financeira e das dívidas soberanas estiveram na origem da derrocada do
Grupo Espírito Santo — ainda hoje seria líder da Comissão Executiva do
BES.
* Um excelente trabalho de LUÍS ROSA
** Se a Justiça tem sido tão tolerante com agressores violentos de mulheres e pedófilos porque não ser com um reles vigarista.
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