.
25/11/19
.
Joacine e
o amor à sobrevivência
O que leva a deputada única de um partido que nunca esteve representado no Parlamento a entrar em guerra com esse partido apenas um mês após a estreia?
E
o que leva esse partido a repreender publicamente a deputada, por esta
não ter respeitado a linha programática, abstendo-se numa votação
estéril (mais uma) que visava condenar uma "nova agressão israelita a
Gaza"? (a propósito: começa a ser confrangedora esta sucessão de votos
de louvor, repúdio e outros estados de alma no Parlamento).
Bem,
mas respondendo às perguntas: soberba, vaidade e inadaptação. Joacine
quis ser o Livre, mas o Livre descobriu agora que talvez não seja boa
ideia fazer a vontade a Joacine. Algo que, durante este tempo todo, um e
outro foram suportando, mas que, uma vez estalado o verniz da
realidade, se percebe que não passa de uma interesseira convergência de
vontades. É indiscutível que Joacine alcandorou o partido a níveis
históricos. E é evidente que o partido aproveitou a boleia na nuvem da
fama para subir mais alto. Ambos lucraram.
Ainda
assim, não ficou bem à deputada acusar o Livre de a ter deixado
sozinha, e muito menos não a dignificou acusar quem a apoiou de nada ter
alcançado, dado que, segundo reclama, foi ela quem ganhou as eleições.
Só ela. Pelo meio, Joacine ainda encontrou forças para culpar os
dirigentes do Livre, onde presumimos se inclua Rui Tavares (que nunca
conseguiu sentar-se no Parlamento), de, na noite eleitoral, terem estado
mais preocupados com a conquista da subvenção estatal do que com a
conquista do deputado. Um gancho de esquerda.
Pese
embora a convulsão, o partido mantém a confiança em Joacine, provando
que o Livre tem amor a mais pelo salário mínimo e amor a menos por si
próprio. No fundo, entre a assunção de uma posição mais dura (e mais
digna) que retirasse a confiança à deputada mas fizesse perigar a
legislatura; e uma posição híbrida que não disfarça a paz podre mas não
mata o sonho da afirmação política, o Livre optou pelo pragmatismo. Pela
sobrevivência.
Joacine tinha (tem?) a
seu favor o perfume da novidade, da excentricidade e da ousadia. O que
fica desta refrega é uma disputa de egos no partido que até foi
precursor da geringonça das esquerdas. Que construiu uma imagem de
diferenciação por via do distanciamento face a um status político
viciado e calculista, o qual, de uma forma perversa, agora encarnou.
Qualquer que seja o partido onde medrem, os políticos que se embriagam
com a porção mágica da glória estão sempre com sede.
* Diretor-adjunto
IN "O JORNAL DE NOTÍCIAS"25/11/19
.
Sem comentários:
Enviar um comentário