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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
13/11/19
Caderno de encargos
Lixo humano? Ninguém merece ter a rua ou o contentor do lixo, como local de entrada neste mundo.
1.
Rendimentos. Mesmo sem as explicações do Presidente da Cáritas
Portuguesa sobre os índices de pobreza do nosso país, a rondar os 20%,
sabe-se que neles se incluem naturalmente os números do desemprego
desprotegido, os pensionistas e reformados com pensões mínimas, os
cidadãos beneficiários de apoios da Segurança Social, que no seu
conjunto, interpelam a retórica do crescimento económico que tanto se
apregoa. Mas diz ainda Eugénio Fonseca, que numa leitura mais fina da
população portuguesa em risco de pobreza, este número excede em muito a
soma dos cidadãos desempregados e beneficiários dos diversos esquemas de
proteção social, podendo concluir-se que nele se incluem muitos
trabalhadores com emprego, mas de baixo salário, em regra o generalizado
salário mínimo que não chega para uma sobrevivência digna. Convinha
adicionar esta reflexão a uma informação recente acerca da posição de
Portugal, o terceiro país da Europa com elevadas quantias em paraísos
fiscais, dinheiro que não foi tributado, que não cumpriu o direito moral
de cidadania, de contribuir para o bem comum, através da justa
redistribuição da riqueza. Talvez até de algum empresariado, dos que
alegam não poder pagar mais do que o salário mínimo, porque os seus
lucros não chegam para mais...
Por outro lado, foi interessante
ouvir o primeiro ministro referir-se ao quanto o seu salário se tinha
desvalorizado nos últimos tempos devido à crise. É bom que o reconheça e
seja consequente. É que o mesmo aconteceu a muitos trabalhadores,
reformados e pensionistas deste país. E no que toca ao estafado
estribilho da devolução dos rendimentos cortados pelo tempo da troika, é
bom que se lembre que antes de 2011, no último governo Sócrates houve
um significativo corte em muitos salários, rendimentos que ainda não
foram repostos. Eles escondem-se por detrás de índices de crescimento
económico, de folgas orçamentais e afins.
2. Estamos em
Emergência Climática. Para aquietar naturais ansiedades, as estruturas
políticas apropriam-se até da questão climática para a designação de
organismos governamentais. Seria bom, todavia, que levantássemos o olhar
e o ego de sonantes designações atávicas e olhássemos para as
localidades esventradas de pedras preciosas das insulares ribeiras e
orlas costeiras, e para as interioridades remotas deixadas ao abandono
dos fogos e do despovoamento, ou alvo da cobiça dos predadores de sempre
dos recursos naturais, alcandorados nos desígnios meritórios da
descarbonização e das energias limpas. Esperemos que se consiga trazer a
consciência do cidadão comum para a necessidade de se envolver, desde a
gestão da água num país com zonas em seca severa, mas acima de tudo
para o exercício de uma maior vigilância e intervenção crítica ativa, em
nome de uma maior cidadania ambiental...
3. Lixo humano? Ninguém
merece ter a rua ou o contentor do lixo, como local de entrada neste
mundo. Mas eles acontecem para nosso incómodo e vergonha moral. Quem
somos nós para julgar aquela jovem mãe sem-abrigo que colocou o seu bebé
no contentor do lixo? Podemos tentar imaginar a angústia, o desespero, a
solidão, o abandono, a indiferença, a insensibilidade e
irresponsabilidade de tantos, esses sim, criminosos. Devíamos sentir
remorsos. Ela inclui-se no número dos 20% da nossa sociedade, os pobres
dos mais pobres, cujo saldo entre deve e haver não irá além do teto de
cartão, ou da tenda na selva de betão gentrificado das grandes urbes,
pavimentadas cada vez mais de indiferença, insensibilidade e
invisibilidade social e política, ostensivamente colocados fora da
equação entre austeridade, prosperidade, crescimento económico, folgas
orçamentais, que nos dão orgulhosos orçamentos zero para colocar no
altar das instituições europeias. Devíamos ainda revoltar-nos contra uma
sociedade que como sempre, é lesta a apontar o dedo à mulher, a alegada
“criminosa”; e o elemento masculino da progenitura? Ele não é
igualmente responsável?
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