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Preto e branco
O caso de Bernardo Silva – ou como a justa luta pela não discriminação racial, religiosa, sexual, de género ou outra, atingiu uma sanha que estupidifica.
O caso é
conhecido e nada tem a ver com futebol: Bernardo Silva, o jogador do
Manchester City e da seleção portuguesa, escreveu um post na
rede social Twitter a brincar com o amigo Mendy, colega de equipa agora e
desde os tempos em que ambos jogavam no Mónaco. Publicou uma fotografia
do amigo em criança, uma outra do ‘boneco’ que publicita os bombons
Conguito e fez uma graçola sobre quem era parecido com o quê. A polémica
foi imediata por uma única razão: Bernardo é branco e Mendy é preto.
O
mundo do politicamente correto explodiu. A federação inglesa (FA)
prometeu investigar e já deduziu acusação por “conduta imprópria e
ofensiva”. Não foi suficiente que Bernardo apagasse o tweet.
Não teve qualquer relevância que o amigo Mendy tivesse respondido com um
sorriso e se confessasse, depois, não ofendido. Não interessa que toda a
gente perceba que o caso nada tem de erupção racista. Desprezou-se que o
português tivesse escrito à FA lamentando o tweet e
reivindicando a sua não intenção de ofender o amigo Mendy, que renovou a
compreensão pelo espírito da brincadeira. Bernardo tem prazo (até à
próxima quarta-feira, 9) para se defender e corre o risco de ser
suspenso por seis jogos da maior Liga de futebol do mundo.
O caso é paradigmático do ambiente social que vivemos, sobretudo na Europa – o continente mais solidário e evoluído do mundo.
A
justa luta pela não discriminação racial, religiosa, sexual, de género
ou outra, atingiu uma sanha que estupidifica. Movimentos e organizações
cuja missão deveria ser estimular a igualdade e pugnar por direitos
parecem ter-se transformado em seitas intransigentes, espécies derivadas
do Ku Klux Klan norte-americano que já vai na terceira geração
reivindicando a supremacia branca, o nacionalismo, perseguindo católicos
e judeus e diabolizando a imigração e a miscigenação.
Tudo é
suspeito. Um branco não deve, ou nem sequer pode, brincar com um amigo
preto. Idem para um heterossexual versus um homossexual; ou para um
cristão com um muçulmano. O contrário, felizmente, (ainda) não tem mal
reconhecido.
Para os títeres desta intransigência crescente,
floresce a esperança de que chegue o dia perfeito em que o mundo se
tornará tão ideal que o homem e a mulher, para se relacionarem, terão de
cumprir todas as alíneas de uma vasta e detalhada obra. Então, sim,
teremos expiado todos os crimes da história da Humanidade, que vão da
escravatura (começada na guerra, entre vencedores e vencidos, e
independente da cor da pele) à inquisição e às cruzadas, da
intransigência homossexual ao patriarcado familiar. O Ocidente, ardendo
nas benfazejas novas fogueiras, terá finalmente expiado todos os seus
pecados.
É tudo isto que está em causa no caso de Bernardo Silva. O
mundo europeu e ocidental (não se pense que a Terra é toda assim) está
transformado em zona demarcada de extremismos considerados bons.
A
reboque de excelentes intenções e de movimentos urgentes e
compreensíveis explodiu a mais absoluta falta de senso. Organismos
governamentais e associativos gemem de medo perante o ranger de dentes
dos inquisidores do século XXI. Se não fosse assim, porque raio haveria o
silêncio de atroar com toda esta força à volta de Bernardo Silva? Por
que não haveria de se revelar pelo menos uma organização que fosse capaz
de dizer o evidente: que isto não é um caso de racismo, que foi apenas
uma brincadeira, mesmo que estas, em tempos de reequilíbrio cultural,
religioso e social, devam ser evitadas sobretudo por pessoas de
indiscutível notoriedade?
Não conheço Bernardo Silva. Vejo, quando
joga, que é um profissional de excelência. E sei, pelo que já lhe ouvi
dizer, que é um português com cultura acima da média e bem formado. Ele
não merece isto. Nós, europeus, também não. Aguardo, por isso, ainda com
esperança, o ‘julgamento’ final da federação inglesa.
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IN "O JORNAL ECONÓMICO"
04/10/19
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