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IN "O JORNAL ECONÓMICO"
20/05/19
A culpa não é de Berardo
A lei tem de mudar e, quando isso acontecer, teremos muito menos crédito malparado, teremos bancos mais saudáveis e sem precisarem de dinheiro dos contribuintes para os salvar.
Joe
Berardo fez acordar o país do sono profundo em que se encontrava, qual
Bela Adormecida depois de enfeitiçada pela bruxa má. A bruxa má desta
história é a inércia dos bancos que fez a princesa nação portuguesa
picar o dedo no fuso das falhas de memória, dos calotes e seus pajens!
Vimos
perguntado como foi possível chegar a níveis tão elevados de crédito
malparado, sabendo que dois terços do NPL provêm de empréstimos
concedidos a empresas.
Vimos perguntando também se terá sido por
desconhecimento da lei ou falta de coragem que os bancos credores não
accionaram ou não accionaram em tempo os instrumentos que o Código Civil
prevê desde sempre. E dissemos ainda não acreditar que os bancos
tivessem concedido tanto crédito sem a devida colaterização.
E o
caso Berardo suporta a nossa tese, segundo a qual o problema não está
nas garantais que os bancos solicitam, mas sim na sua monitorização e na
lei.
Nos termos da lei, os devedores respondem com todo o seu
património pela satisfação das suas dívidas: é a chamada garantia geral
das obrigações. Mas como a garantia geral não confere particular
segurança aos credores, muitas vezes, a concessão de crédito fica
condicionada à prestação de garantias especiais: pessoais ou reais.
Nas garantias pessoais, o património de um terceiro fica a responder pelas obrigações do devedor: é o caso do aval e da fiança.
Nas
garantias reais, é um bem ou direito certo e determinado a garantir a
satisfação do crédito: é o caso da hipoteca e do penhor, podendo o bem
ser do devedor ou de terceiro.
Ora, as garantias pessoais só valem
se, à data do incumprimento do devedor, houver património do fiador ou
do avalista para executar e as garantias reais só valem se, à data do
incumprimento, os bens ou direitos dados em garantia mantiverem valor
suficiente para satisfazer a dívida não paga.
No caso das
garantias pessoais, é decisivo que o credor verifique com regularidade
se os fiadores e avalistas não venderam ou doaram bens ou se, por
qualquer outra forma, dissiparam património.
Esta monitorização é
tão simples quanto crucial. E, assim que houver variação negativa do
património, o credor deve reagir judicialmente através dos mecanismos
previstos na lei, desde logo, impugnando ou pedindo a anulação desses
negócios, pois basta que o credor tenha interesse na invalidade dos
actos e que eles representem diminuição patrimonial, não sendo
necessário que produzam ou agravem a insolvência do devedor.
Ou
seja, quando é prestada fiança ou aval (por exemplo, pelos sócios,
gerentes ou administradores de uma empresa), o credor só tem de estar
atento a que o fiador ou avalista não diminua o seu património e, se tal
acontecer, reagir sem demora.
Quanto às garantias reais, o
problema do sistema legal português está na execução, a qual exige
recurso aos tribunais e à venda executiva, o que representa perda de
tempo e dinheiro e de potencial depreciação das garantias.
Erradamente,
em Portugal, a lei só no penhor financeiro e mercantil permite acordo
entre devedor e credor para este poder apropriar-se automática e
imediatamente do bem ou direito dado em garantia em caso de não
pagamento voluntário da dívida.
Insistimos no que defendemos até
em termos académicos: a lei tem de mudar! A lei tem de permitir acordos
de apropriação em qualquer crédito, com a obrigação legal de o credor
devolver o eventual excesso de valor da garantia em relação ao montante
da dívida que não foi pago.
Quando a nossa lei mudar e os
devedores e os garantes perceberem que podem efectivamente perder os
bens ou direitos dados em garantia assim que deixarem de pagar as
dívidas, seguramente teremos muito menos crédito malparado, teremos
bancos mais saudáveis e sem precisarem de dinheiro dos contribuintes
para os salvar!
A culpa não é de Berardo, portanto. É da verdade incómoda de que o nosso rei(no) vai nu!
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
20/05/19
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