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IN "OBSERVADOR"
03/05/19
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Quando a cabeça
não tem vergonha,
o povo é que paga!
Para quando o financiamento público para a Liga dos Amigos dos
Peixinhos de Aquário? Para a Associação dos Protectores das Pedras da
Calçada? Para a Fundação Pela Dignidade Da Casca De Cebola?
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Quando nomeias
mais do que é preciso
O povo é que paga
O povo é que paga
Deixó pagar, deixó pagar
Se o César está a gostar
E quando pensava que já tinha visto tudo… eis que nem os mortos escapam!
Parece
que, segundo o que veio a lume, a socialista Câmara Municipal de Lisboa
se prepara para assinar um protocolo que atribui à Associação dos
Amigos dos Cemitérios de Lisboa (sim, leram bem!…) poderes para
“dinamização de iniciativas nos cemitérios da capital (exposições,
concertos, roteiros, entre outras), gerir o Centro Interpretativo do
Cemitério dos Prazeres, homenagear personalidades sepultadas na cidade,
desenvolver arquivos ou celebrar parcerias com diversas entidades, entre
outras competências”. Parece também que esta ilustre associação tem
sede no cemitério de Carnide. Mesmo.
Desconheço os montantes
envolvidos neste protocolo, mas, conhecendo (i) as habilidades lusas
nestas questões (que se terão iniciado com um adiantamento de 10.000
euros antes da assinatura do dito protocolo), (ii) o track-record
socialista, (iii) a filiação e ascendência partidárias do edil lisboeta
e (iv) a restante composição do executivo camarário, suspeitei
imediatamente do pior (depois de parar de rir e me aperceber de que a
piada é afinal sobre nós, os sempre pagantes contribuintes).
Mas
logo as suspeitas deram lugar a outro sorriso (mais comedido) e a
preocupações sérias – foi só ler a lista dos titulares dos órgãos
sociais da predita associação amiga dos defuntos, entre os quais se
contam os ilustres Jorge Ferreira, fotógrafo de campanhas do PS; Pedro
Almeida, funcionário do PS; Inês César, sobrinha de Carlos César; a sua
mãe, Patrocínia Vale César e o seu pai, Horácio Vale César (irmão de
Carlos César); João Soares, será esse mesmo (?!); Diogo Leão, deputado
do PS; Filipa Brigola, assessora do grupo parlamentar do PS. Estes, ao
contrário dos putativos homenageados, estão bem vivos, como se
demonstra.
Isto já não é bem um lobby familiar-socialista, como
alguém lhe chamou. Isto é um gag humorístico que poucos humoristas
congeminariam – Herman José? Monty Python? Ricardo Araújo Pereira? O
Inimigo Público? Qual quê… Fernando Medina, Carlos César, António Costa,
o Diário da República!
Como António Variações, que plagiei acima,
mostrou no seu tempo, a criatividade não tem limites. Pergunto: para
quando o financiamento público para a Liga dos Amigos dos Peixinhos de
Aquário? Para a Associação dos Protectores das Pedras da Calçada? Para a
Fundação Pela Dignidade Da Casca De Cebola? Ou mesmo para a Instituição
de Solidariedade Para Com As Pulgas Do Circo?
Esta associação
ridícula, que consegue ser simultaneamente humorística e insultuosa (o
que é apanágio apenas do pior humor), e a sua ligação à maior autarquia
do país, seria capa de jornal e abertura de telejornal em qualquer país
civilizado do mundo. Como aconteceu, aliás, com os diversos casos e
casinhos (e casamentos) associados ao neo-nepotismo grassante em
Portugal – até o New York Times dava nota de espanto, há umas semanas,
pelo facto de o primeiro-ministro de Portugal dizer que “keeping jobs in party’s family is not a worry”.
Chega a ser comovente esta propensão para a sinceridade quando membros
do Governo são apanhados a falar “lá fora”, que ninguém os ouve…
Mas cá, tirando uma ou duas notícias, reinou o silêncio do costume – comprometido, dependente, cúmplice, clientelar.
Pouco
importa que o Governo e as suas autarquias andem a espalhar dinheiro
por todo o lado (leia-se – entre amigos e familiares) e a proclamar que a
carteira não chega para os professores; pouco interessa que a “Família”
se aproprie de tudo o que consegue enquanto as infraestruturas públicas
se vão transformando em sucata; já não conta que a “ética republicana”,
por magra que fosse, tenha sido definitivamente enterrada.
Mesmo enterrando dinheiro em cemitérios stricto sensu, a vida de António Costa é um passeio no parque (“a walk in the park”, como ele a descreveria certamente ao Washington Post ou ao Guardian).
Quem
perde a vergonha desta forma, só o faz porque está convencido da sua
impunidade absoluta. Da ausência total de escrutínio. Do fim dos checks and balances
que as democracias mais evoluídas sempre têm e onde a imprensa
desempenha papel primordial. Trata-se, no fundo, de Variações do António
sobre o mesmo tema, o tema do costume.
Carlos César tem razão
numa coisa: o sobressalto cívico é fortíssimo. Mas o assalto cívico não é
mais pequeno. E o saque pode ser feito a eito, às claras e sem limites.
Se a César o que é de César, então tudo a César!
IN "OBSERVADOR"
03/05/19
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